22 de Dezembro

Depois de muita hesitação foi isto que decidimos fazer com o dia livre no plano de Cuba. Desde o início que existia esta reserva estratégica. Um dia para adicionar a um local especialmente apreciado o que fosse descoberto no decorrer da viagem. E apesar de, creio, uma semana inteira em Havana, foi mesmo para a capital cubana que foi o prémio. De tal forma sentimos a cidade que nesta manhã nos sentiamos como prestes a regressar a casa. Há coisas assim, estranhas… a afeição e o conforto que associamos a Havana criam esta impressão profunda. Andar pelo Malécon, comer um gelado na Copellia, bater as ruas negligenciadas de Centro Habana, caminhar nas avenidas amplas do burguês Vedado. Tinhamos estado por lá apenas três dias completos e contudo já nos sentiamos em casa.

Não foi preciso acordar de madrugada. Bastou uma manhã cedo. Despedimo-nos da nossa mãe adoptiva em Santa Clara, a dona Silvia, e lá fomos, até à estação de comboios onde ela nos disse ser o melhor ponto para apanhar um carretón. Sublinhou bem: 1 CUC para os dois e é porque são estrangeiros. Nem mais um tostão. Não foi complicado. Assim que lá chegámos logo recebemos uma proposta justa de transporte e fomos a caminho, sob o som do teck-tack das ferraduras do nosso “motor”.

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Depois de algum vira aqui e vira acolá fomos ter à Praça da Revolução e de lá até à estação rodoviária era apenas um saltinho. Chegámos sem incidentes, bem à hora, guardando na bagagem a experiência de um trajecto mais prolongado neste meio de transporte.

Na chegada ao termninal de autocarros, o bando de taxistas salta-nos em cima. Geralmente deveria ser o inverso, deveriam focar as suas atenções em quem chega, mas isso seria “peanuts”. O que eles querem é desviar os passageiros de longo curso para os seus táxis partilhados. Dizem, correctamente, que fica o mesmo preço. Talvez para alguns seja interessante, mas para mim os táxis partilhados têm piada para viagens curtas. Fazer 300 km quase ao colo do vizinho do lado não me parece melhor do que viajar numa cadeira de autocarro.

Entre eles estava um que disse logo que nos conhecia. OK, tens a nossa atenção, conta lá isso…. ah era o sobrinho da dona Sílvia. Será que o deviamos chamar de “primo”? Muito porreiro, contou-nos os esquemas deles, como funcionavam as coisas… desistiu logo de fazer negócio, assim que dissemos que preferiamos um autocarro.

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Tomámos o pequeno-almoço numa cafetaria de rua mesmo ao lado da entrada da estação. Estava delicioso. Uma espécie de tostas de omelete, regadas com sumos naturais. Tomei duas rodadas antes de ir fazer o checkin no escritório da Viazul. Tudo bem. Agora era esperar. Na estação vivia-se a hora de ponta. Era autocarros a chegar e a partir, quase todos em trânsito. E por fim veio o nosso. Ia meio vazio e pudemos escolher livremente os lugares. Na Viazul os assentos são marcados… na teoria.

Não há muito a dizer sobre esta viagem. É basicamente 100% por auto-estrada e fui agarrado à leitura do Our Man in Havana que acabei à entrada de Havana. De volta a casa! Chegámos à já conhecida estação privada da Viazul. Agora havia duas hipóteses: ou esperávamos pelo autocarro 27 para o centro ou iamos a pé até lá abaixo (uns 2 km) e apanhávamos um táxi colectivo. Preferimos esta segunda hipótese. O 27 podia demorar séculos a passar e depois vir cheio e com as mochilas seria complicado disputar o espaço. Por outro lado depois de quase quatro horas sentado apetecia esticar um pouco as pernas.

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Lá chegámos ao cruzamento e logo se aproximou um carro americano que fizemos parar. Sim, ia para os nossos lados. Era um pouco diferente, tinha três linhas de cadeiras, a última completamente vazia. À nossa frente, ocupando os dois lugares da linha do meio, um homem com um enorme caixote, creio que com um micro-ondas. À frente, um casal jovem, muito escurinhos (por coincidência, das três vezes que usámos estes carros em Havana, à frente ia um casal assim). Eles sairam, depois saiu o outro e ficámos a sós com o condutor. Aproveitou a oportunidade para meter conversa e fazer negócio. Quando nos iriamos? Para onde? Ah! Para o aeroporto? 15 CUC e ele ia-nos buscar e tratava de nos largar lá. O instinto é dizer “não, obrigado” e foi isso que logo fizemos. Mas um minuto depois bateu-me: então mas isto é um negócio maravilhoso… não só poupamos 10 CUC em relação ao preço padrão como nos vamos em grande estilo. Sim! Olha, afinal sim. Nem é preciso ligar mais tarde, fica já combinado. E ficou. Pelo sim pelo não ficámos com o número de telemóvel dele. Mais à frente entrou outro casal, também estrangeiros, coisa rara neste meio de transporte. Creio até que não é permitido. Ou pelo menos não era, mas lá está, Cuba está em grande mutação.

Ficámos à porta da adorada Casa Blanca. Agora havia um problema: descobrir onde iriamos passar esta primeira noite da segunda vida em Havana. As duas noites seguidas já estavam reservadas, a contragosto, em casa da Tamara, basicamente na porta ao lado. Foi apenas porque as nossas amigas da Casa Blanca insistiram na recomendação, mas não foi uma casa que tivesse agradado, bem pelo contrário. Assim, nutriamos a esperança vaga de que por alguma razão houvesse um quarto livre na Casa Blanca e… havia!!!! Um pequeno milagre que para nós foi muito importante. Foi a cereja em cima do bolo no regresso à querida Havana. Foi um gosto imenso reentrar naquela casa maravilhosa, reencontrar as nossas amigas, trocar abraços e exclamações e novidades. Os holandeses – um casal mais velho – que lá estava e que tinham estado à conversa conosco durante uns minutos (partilhávamos os valores de viagem e muitos dos locais visitados em Cuba) ficaram de boca aberta, um sorriso confuso nos lábios, quando viram toda aquela emoção.

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Bom, iamos ficar no quarto número dois. Que ainda gostei mais, basicamente porque tinha uma pequena varanda com vista directa sobre o Malecon e sobre o mar. Que bom! Passado um bocado chega a Maite e bebemos um chá juntos e depois saimos para a rua. Tinhamos fome de Havana!

Inevitavelmente começámos pelo Malecon, caminhando em direcção ao centro. Fomos sempre junto ao mar, até ao terminal de cruzeiros. E estava lá um relativamente pequeno navio com bandeira de Malta. Dali internámo-nos no emaranhado de ruas de Habana Vieja. Descobrimos um vagão-museu colocado ali, longe do seu elemento que são os caminhos-de-ferro. Estava fechado mas parecia interessante. É o coche Mambi, construido nos EUA, trazido para Cuba em 1912, onde se tornou o coche presidencial.

Encontrámos a Plaza Vieja, que não se tinha atravessado no nosso caminho durante o primeiro período de permanência em Havana. Toda ela foi imaculadamente recuperada. Cada edíficio tem um painel com uma explicação histórica e com imagens do antes e depois. Talvez a maioria tenha tido as suas funções alteradas após o restauro. Há hóteis faustosos, cafés e restaurantes, museus e até um planetário. Muitos turistas mas também vida genuinamente local. Um enxame de gaiatos faz as suas tropelias entre correrias e risos.

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A missão seguinte (durante o período que viajámos pelo país fizemos uma lista das missões a cumprir no regresso a Havana) era beber um coco no pavilhão de artesanato, já não muito longe da estação de caminhos-de-ferro. Sem problemas. Mas o coco era muito pequeno, soube a pouco. Fomos andando até à estação. Queria dar-lhe uma segunda oportunidade, mas não foi possível: passava-se algo, toda a área estava cheia de militares. Não como prestes a actuar, mas em ambiente festivo, como se o país tivesse entrado em guerra e as tropas estivessem a reunir-se para viajar para paragens longíquas de comboio. Havia grupos de todos os tamanhos e com todo o tipo de fardas. Autocarros do exército, jipes. Casais abraçados, militares solitários. Ainda me tentei a tirar umas fotografias mas decidi não brincar com a sorte.

Subimos a avenida da Bélgica. Queria comer qualquer coisa nos locais onde há mais de uma semana me tinha estreado com a comida de rua cubana, mas não encontrei. Paciência.

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De regresso a casa, devagar, sem pressas. Só porque é preciso repousar um pouco. Passamos por Centro Habana, o tal bairro favorito, à sua melhor hora, quando toda a gente está de volta após um dia de trabalho. Gostava de cortar a barba. Como sempre em viagem não trouxe nada para o fazer e vou com os olhos abertos à procura de uma barbearia, mas as que descubro estão demasiado cheias. Não tenho energia ou paciência para esperar.

Paramos na nossa pizzaria de rua favorita. Yummy! Pizza de pimento com muito queijo. Delicioso. Agora descansar o corpinho. O sol já vai baixo. Há nuvens no céu. O tempo está a mudar. Sente-se que pode chover, o que seria inédito na nossa estadia em Cuba.

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Neste dia fomos ao centro ao serão. Só para ver se aquilo é tão fraquinho como parece ser. E sim, é. Está quase tudo fechado, a iluminação é desagradável, não há muita gente nas ruas. Apenas uns quantos turistas, que vagueiam sem energia, como se fossem para algum lado ou procurassem apenas um local para jantar.

Quanto a nós, tivemos também um jantar diferente: tinhamos saido com algo em mente e não falhámos. Fomos às esplanadas junto ao terminal de navios de cruzeiro. A noite estava amena, pelo menos para nós, mas não havia muita gente nas mesas. Escolhemos a última das três, que são todas semelhantes, empresas do Estado, com preços em CUC. Mas baratos. Para choque da funcionária pública, pedimos duas porções de Moros e Cristãos, ou seja, arroz branco com feijão preto. Era suposto ser um acompanhamento, dai a surpresa, mas estava delicioso, e por 0,60 Eur foi uma bela refeição. Uma cerveja Cristal (não a nossa, a cubana) em lata, bem fresquinha, e depois, para sobremesa, um “balde” de gelado de goiaba a dividir pelos dois. Foi um luxo. Um momento memorável. E pronto, está visto e feito,  podemos regressar para aquele adeus à Casa Blanca. Não é a última noite em Havana, mas de certa forma marca o fim de uma era na cidade.

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