Havia a ameaça de um despertar madrugador, vinculado aquela ânsia de turista voraz que tudo quer abarcar antes que o tempo se lhe escoe entre os dedos. Como tantas vezes sucede, mais fácil é planear do que efectuar. Depois de um dia naturalmente cansativo, com poucas horas de sono trazidas de uma véspera verdadeiramente matutina, o corpo foi mais forte e os lençois foram abandonados a horas perfeitamente medianas.
Lá fora, um dia cinzento mas sem ameaças de chuva. A temperatura, frescota, mas prometedora, pois, já se sabe, as manhãs são frias mas o termómetro logo sobe com o passar das horas. Dados alguns passos na rua, logo é encontrada uma pequena mercearia com aspecto de negócio familiar. Ideal para o pequeno-almo e para uma recolha de abastecimentos. Também aqui chegaram as baguetes, as mesmas que se encontram em grande número nas TESCO; uns bolos aparentados às nossas Bolas de Berlim, uns yogurtes líquidos e a essencial água completam os víveres escolhidos para a jornada que nos surge pela frente.
Seguimos por Mala Strana. O meu bairro favorito, romântico, central, clássico, e contudo intimista, mantendo os mal-amados turistas à distância. Por estas ruas do “bairro pequeno” não é preciso andar a horas impróprias para poder apreciar a beleza das fachadas sem o incómodo do permanente tagarelar nas línguas do mundo. A qualquer momento se podem observar os pequenos nadas ocultados a cada esquina em perfeita tranquilidade. É o paraíso para quem, como eu, pinta com luz, ou seja, com máquina fotográfica. Nesta Primavera ainda mal nascida as árvores encontram-se ao seu pior, como se tivessem acabado de sair da cama e se apresentassem ao viandante que lhes bate à porta sem os devidos cuidados e nuas de maquilhagem. Mas, por outro lado, os pássaros compensam-nos, rodopiando enquanto trocam os seus cânticos mais ou menos cuidados.
E por aqui cirandamos, deliciados com os segredos mais urbanos e a beleza fresca dos parques que ladeiam o correr das águas do Vltava. Cruzamos a Karmelistka, avenida que, em segunda linha, segue paralela ao rio, funcionando como esteio na margem oeste, pelo menos nesta parte central da cidade. É por ela que se fazem os acessos à colina Petrin, à zona das embaixadas e ao Hradcany. É também nesta via que se avista a impressionante homenagem às vítimas do comunismo, constituida por uma série de esculturas representando uma figura humana em gradual estado de degradação.
Seguimos direitos ao Museu Etnográfico, já no interior dos jardins Kinsky. Toda esta zona sofre com a nudez das grandes árvores. Não apresenta o esplendor colorido do Outono nem a frescura verdejante da Primavera plena ou do Verão. Mas a beleza não foi completamente levada pelos rigores invernais. Logo ali em cima visitamos a igreja de S. Miguel, ou, em checo, a Kostelík sv. Michala. Trata-se de um edíficio em madeira, trazido peça a peça da Ucrânia, por ocasião da Exposição Universal de 1891. Vale pelo inesperado e pelo insólito da sua origem. Prosseguimos a caminhada pelos jardins, chegamos à Muralha da Fome, que marca o final dos jardins. Esta estrutura ganhou o seu nome ao ser construida por ordem real para justificar o apoio da Coroa ao povo de Praga num ano em que as colheitas foram especialmente fracas e a miséria grassava entre os súbditos.
Já em Petrin prosseguimos pelo labirinto de estreitos caminhos, deliciados com a vista da cidade, espraiando-se para além do rio e das suas muitas pontes. Chegamos à linha do funicular. Desolador. Da pitoresca esplanada que costuma estar montada naquele local, nem sinal. O próprio ascensor encontra-se temporariamente desactivado, para reparações na via. Deixamos para trás a via que conduz ao topo de Petrin, desprezando pelo rigor da gestão de tempo aquela zona tão túrística, e prosseguimos para a etapa final deste passeio, aproximando-nos de Malostranské Námesti.