Dia 12 de Janeiro de 2024

Para a manhã tinha preparado aquele que porventura será o prato maior de qualquer viagem ao Egipto: a visita às pirâmides de Giza. Pacífico. Acordei quando acordei, sem pressas, sem despertador. Eram umas dez. Papei o pequeno-almoço – igualzinho ao da véspera, mas lá está, a cavalo dado não se olha o dente. 

Tive sorte com o dia. Em Janeiro é comum as manhãs de fraca visibilidade, mas se ao sair do hostel notei uma certa névoa no ar, ao chegar a Giza as condições estavam ideais.

Para me transportar até lá recorri ao omnipresente Uber, mais uma vez sem qualquer problema. A meio do caminho fez-se um click e ocorreu-me a razão da grande tranquilidade no trânsito! É Sexta-feira, que no Egipto corresponde ao Domingo. Dia sagrado. Isso significaria muita gente nas pirâmides. Paciência. 

À chegada, um certo caos. Gente a gritar comigo. Cash? Visa? Cash? Visa? E eu a dizer que era cash. Bem, é assim. Há um par de meses o Governo decidiu duas “belas” coisas: mais do que duplicar o preço das entradas nos locais turísticos e abolir o pagamento em dinheiro dos bilhetes. Ora para começar, há muito egípcio que não tem cartão bancário. Então surgiu uma nova espécie de parasita: aquele que revende os bilhetes ou cede o seu cartão para se fazer o pagamento. No caso das pirâmides o custo do acesso à área é de 540 Libras, e os artistas vendem bilhetes a dinheiro por 600 Libras. Apercebi-me a tempo de tudo isto e transitei para a fila oficial, onde paguei com o cartão a um tipo de aspecto igualmente cadastrado num casebre de muito má pinta. A sério!? Não conseguiam montar uma bilheteira condigna?

Entrei no espaço e, claro, fui logo abordado por uma série de vendedores de tudo. Tenho que dizer que não foi tão mau como esperava. Nem eram tantos nem tão persistentes. E rapidamente consegui concentrar-me no que ali me trazia. Claro que o meu aspecto egípcio ajudou.

Quanto às pirâmides, não foi pior nem melhor do que antecipara. Lá estão. São pirâmides. Nunca fui muito entusiasmado com estes testemunhos de pedra do passado. Limitei-me a caminhar, rodeá-las, sentir o ambiente, observar os turistas e aqueles que vivem dos serviços que lhes prestam. 

Caminhei até um dos pontos marcados no mapa como de observação das pirâmides. A ideia é vê-las perfeitamente alinhadas. E lá estavam. Logo fui descendo. Um quilómetro e meio para a saída. Estava cansado. Ainda me detive a tirar umas útimas imagens da esfinge de Giza e depois saí.

Chamei um Uber e saiu-me em sortes um engraçadinho. O valor para o serviço era 3 Euros, pois o artista mandou-me uma mensagem a dizer que seriam USD20, se aceitava. Só me ri. Logo veio outro, normal, honesto, como sempre. Até ao momento, e já tinham sido uns oito serviços, a Uber no Cairo tinha funcionado muito bem.

Cheguei ao hostel decidido a tirar uma hora de repouso antes o assalto à Cidadela de Aladino. Mas quando me aprestava para sair, a Aya, a simpática funcionária do turno de dia do hostel, disse-me que talvez não fosse boa ideia ir à Cidadela. Isto porque segundo ela aquilo requeria tempo e a tarde já ia a meio e os locais históricos encerram cedo. Pronto, convenceu-me. Mudei em cima da hora o plano e rumei ao chamado Cairo Islâmico. Trata-se de uma zona da cidade com um imenso património histórico de carácter islâmico. 

Um passeio perfeito no Cairo Islâmico gira em redor da rua Al-Muizz li-Din Allah al-Fatimi, ou mais simplesmente Al-Mu’izz. Mas comecei antes. O tipo do Uber deixou-me um bocado afastado, um misto de não poder ir até onde tinha marcado e preguiça de enfrentar um pouco mais o trânsito. E logo ali havia uma mesquita visitável a troco de 100 Libras. Um pouco caro para a simplicidade do lugar mas estava cheio de pica de ver coisas e lá larguei a nota. O guardião mostrou-me uns cantos secretos, como um relógio de sol no telhado do edifício e uma hospedaria medieval que se via no espaço ao lado.

Depois comecei e caminhar pela tal rua. Fascinante. A transpirar história. Um ambiente fantástico. Sexta-feira. Cheio de gente. 

Chegado ao primeiro ponto assinalado no meu mapa veio também a hora de pagar bilhete. Uma agradável surpresa. Com 180 Libras ganhei ingresso em todos os locais culturais da senda do Cairo Islâmico, agrupados naquela rua e, pontualmente, numa rua ao lado. Foi um excelente investimento.

Visitei lugares sem fim. Mesquitas, madrassas, palácios, túmulos. E mais mesquitas e madrassas. Até que o cansaço se avolumou e, também, a luz do dia chegava ao fim. O timing foi perfeito. Claro que poderia ter explorado a área melhor, mas assim como assim chegava ao fim da Al-Mu’izz e via já ao longe um dos portões medievais da cidade. Sabia que ali poderia chamar um Uber. Ainda andei um pouco mais, tentado pela relativa proximidade de uma estação de Metro. Mas a preguiça venceu. Saquei do telefone e uns minutos depois estava a caminho do meu querido hostel.

O que passei nesta visita: o famoso mercado Khan el-Khalili. Sem paciência para a multidão ainda mais compacta e para os vendedores. Talvez noutro dia. 

Estendi-me na cama a dar descanso ao corpo mas o sossego não durou muito. Num repente estava a combinar um encontro com o irmão do meu amigo Baha. Às 19:30 em frente ao KFC, que calha a ser quase a porta ao lado do prédio do hostel. 

Lá estava ele. Passou-me uma caixa de tâmaras, cortesia do Baha, que fui depositar nas minhas instalações. E depois saímos à descoberta (para mim) do serão do Cairo. Primeira paragem, comer, carninha, num restaurante muito local. Comeu-se bem, sem ser uma maravilha. A companhia era boa, acho que encaixámos bem, criou-se muita empatia. Começámos a falar de doces, de fazer gelados, de receitas de arroz doce, e isto puxa para sobremesas e ficámos de dar um salto a um lugar da escolha dele para adoçar a boca.

Boa companhia para o serão

Lá fomos para Zamalek, uma ilha no meio do Nilo, em frente ao que eles chamam de “downtown”, precisamente a zona onde fiquei alojado. Zamalek é o bairro cool do Cairo. O lugar onde os expats querem viver. Com cafés fabulosos, supermercados modernos, bons restaurantes, uma vida nocturna – ou pelo menos um serão – vibrante. Lá comemos os nossos bolos com mais conversa e fui-lhe falando de alguns luugares que tinha referenciado na zona e ele foi-mos mostrar.

Começando pelo Café Sufi e passando depois pelo Antique Khana. Dois lugares com uma atmosfera incrível, intelectual, a convidar ao trabalho, à escrita, à leitura. Ainda ganhei como bónus uma passagem pelo Pub28 , um bar com um aroma intenso a sexo. Durante os dois minutos que estive lá dentro farejei muita coisa: engate gay, profissionais do sexo e uma atmosfera carregada de testosterona. Muito interessante.

Agora voltávamos para “downtown”, para um lugar de onde poderia voltar ao hostel a caminhar. Incrivelmente a surpresa que o Saad tinha para mim também estava referenciada nas minhas notas. Um lugar fabuloso, de encontro de gentes diferentes que convergem em busca de um ambiente de libertinagem controlada. Ali bebe-se cerveja a rodos. A boa Stella, nacional. Os funcionários rodam pela grande sala com garrafas geladinhas entre os dedos, que vão pousando a quem lhes fizer sinal. O preço da garrafa de meio litro é de 50 Libras. Metade do que pago no hostel. Cerca de 1,50 Euros. 

No Al Horreya

O lugar chama-se Al Horreya. E é um “café” histórico. Existe desde o século XVIII, mas na actual forma desde 1936. Intocado. Transpira história e é um mimo para os sentidos. Observar aquela multidão: pequenos grupos de amigos de todas as idades. Homens sozinhos. Um ou outro estrangeiro, talvez turistas, talvez residentes. Alguns, poucos, casais. E a cerveja jorra, o rodopio continua. Sem complexos, num clima de alegria, descontraído. Bebo uma, depois outra, e por fim uma terceira cerveja. O Saad, tal como o Baha, cumpre o preceito muçulmano e fica-se por um refrigerante de ananás. Foi um serão em grande!

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