20 de Janeiro de 2024
Escolhi o comboio das 10:20 para ter a certeza que chegava a horas sem grandes madrugadas. Eram 9 horas quando fechei atrás de mim a porta deste apartamento onde fui feliz nos meus dias de Luxor. Mandei a chave para a varanda do vizinho de baixo, que penso ser o proprietário do prédio, logo, o meu senhorio.
Pequena caminhada até ao barco. Tudo normal. A travessia, a chegada. Chamo um Careem, que comparece rapidamente. Está a correr bem. Na estação vou para a plataforma 2, um pequeno assédio dos jovens que dão informações que não preciso a troco de uma gratificação. Tentarão uma aproximação a um casal de viajantes com ar de raposas velhas, sem grande sorte.
Agora é esperar. Vem o comboio. Muito antes das 10:20. Saem pessoas, entramos nós, que estamos na plataforma. Calculei bem o tamanho da composição. A carruagem sete, a minha, está mesmo ao lado. Convém conhecer os números árabes para não fazer confusão. Fácil de encontrar o meu lugar, o 20. Está um senhor lá sentado que se levanta educadamente e se move para outro assento.
A viagem corre bem até nos aproximarmos de Assuão. Partimos precisamente às 10:20, a cadeira é muito confortável, vejo o mundo passar pela janela, mas é um mundo sem grande interesse. Passo para a leitura, para a observação do que me rodeia, mesmo ali dentro, na carruagem. O tempo passa bem. Seriam três horas de viagem mas a cerca de 15 km de Assuão sucedem-se paragens. Não em estações como até então. Paragens técnicas, coisas de ferrovia. Vínhamos tão certinhos, perfeitamente à hora, e só para os 6 km finais foi quase meia-hora.
Caminhei. Estava agradável. Quase 2 km até ao barco para a Ilha Elefantina, onde vou ficar nos próximos cinco dias. Cidade dinâmica, não demasiado barulhenta, muitas lojas, comércio mais moderno do que vi em Luxor e mesmo em boa parte do Cairo. Fácil de andar, de atravessar.
O ferry para a ilha anda para trás e para a frente, a passagem custa 10 Libras para os estrangeiros e a travessia demora menos de cinco minutos.
Já do outro lado fico um pouco confuso. Como quando se tem uma ideia preconcebida e a realidade vem diferente. O que vejo traz-me à ideia a ilha de Goré, junto a Dakar, no Senegal. Mais pobre, menos charmosa. Ao longe parecia uma coisa toda fina, com casas impecáveis, para ricos e turistas. E afinal é pobre, é uma genuína aldeia núbia. Na realidade duas, aquela onde chego e onde vou ficar e outra, mais para a direita, onde se chega através de dois trilhos opcionais.
Chegar ao meu alojamento foi um bocado desafiante. As vielas são labirinticas, algumas, perfeitamente indicadas no Google Maps, são tão estreitas que quase não consigo passar sem tocar nas paredes que as abraçam.
Mas lá estou. Recebo o quarto e uma bebida de boas-vindas no terraço onde todas as manhãs, entre as 8 e as 9, o pequeno-almoço é servido. Descontraio um pouco antes de partir para explorar as imediações.
Começo a sentir vibes negativos, discretamente, aos poucos. Assim muda o astral. O bairro é tão intimista que me sinto um corpo estranho, isso desagrada-me. As pessoas que ali vivem têm até uma atitude perfeita para o contexto, de indiferença sem hostilidade. Os núbios. São uma gente diferente. As mulheres não tem a postura a que estou habituado no Médio Oriente. Mais liberais. Se for caso disso metem conversa. Estou habituado a ignorá-las, é o que é esperado de um homem, culturalmente. Mas tenho que reajustar os ponteiros. Em terra núbia as coisas são diferentes.
Vou tirando fotos, alternando preto e branco e cores. Há muitos motivos fotogénicos. Esgotam-se rapidamente, fica tudo repetitivo. Mas são bons.
Regresso ao quarto para descansar mais um pouco e volto a sair ao final da tarde. Preciso de jantar. Comer vai ser aqui um problema. Há dois restaurantes perto do alojamento, mas parecem-me tão sossegados que não sinto vontade de os visitar. Vou em busca de um outro sobre o qual tinha lido boas referências: o Bob Marley.
E encontro-o, já do outro lado, na segunda aldeia. Como meio-frango grelhado, bem regado com uma cerveja, cara. Bom ambiente, pessoal a falar inglês perfeito, vista para o Nilo e para Assuão. Há mais estrangeiros a jantar. Quando regresso já é noite cerrada. Em alguns troços não há iluminação pública mas as pessoas vão deixando as suas luzes ligadas e não há problemas.
Um serão solitário, como todos, isolado. Este foi um inconveniente sempre presente neste alojamento. Sinto-me no fim do mundo. Que seja.