27 de Janeiro de 2024
Duas noites no Egyptus Hostel foram suficientes. Tinha que sair dali. Ter o pessoal do hostel a instalar uma cama por cima da minha às 2 da manhã para acomodar mais um hóspede foi a gota de água. Reservei uma noite no Windsor Palace.
A meio da manhã chamei o Uber para a transferência e fui bater à porta dos meus anfitriões, umas horas antes do previsto checkin. Quem sabe não tenham um quarto já preparado… senão, pelo menos deixo a mochila e vou dar uma volta por ali.
Mais um bom serviço Uber. Deixa-me à porta do hotel, apresento-me. O senhor que me atende, muito prestável, dá-me um upgrade gratuito de quarto, passo a ter vista parcial para o mar. Que apesar da hora de check in ser às duas, vai tratar de apressar as coisas e dali a uma hora poderei voltar e obter a chave do quarto.
Vou então passear. É Sábado, a cidade ainda agora está a acordar. As ruas estão a meio-vapor, muitas lojas fechadas, algumas a abrir, preguiçosamente. Gosto de Alexandria. Há ali uma fusão de memórias, é como que uma Havana, com os edifícios gloriosos de outros tempos agora decadentes, e ao mesmo tempo uma Buenos Aires, um esplendor europeu deslocado, desta vez em África.
Vejo pequenas mesquitas, quase que escondidas entre prédios altos, servindo uma pequena comunidade local. Os táxis Lada enxameiam as ruas. Mais uma mão dada com um passado socialista, estes carros decadentes, com 40 ou 50 anos, a circular ainda.
Numa pequena barbearia um senhor espera sentado o que será talvez o primeiro cliente do dia. Olhar perdido num horizonte de memórias. Como se contemplasse um passado que poderia ser hoje. Um cenário imemorial. É 2024, podia ser 1944. Tudo seria igual.
Passa o eléctrico. Alexandria tem eléctricos, ou talvez como agora se gosta de lhes chama, um “metro de superfície”. Vai vazio. É o espelho das ruas. Vazias.
Há casas de chá, locais de encontro habituais para a clientela de sempre. Vejo os velhos sentados, contemplativos uns, faladores outros, trocando intrigas e novidades entre si. Mais uma vez um passado inamovível ali, cenários sem ano, de hoje ou de ontem. Só um carro mais moderno parqueado ali defronte atraiçoa a trama.
Penso quanto tempo mais estes edifícios centenários se manterão de pé e o que acontecerá quando começarem a cair de maduros, talvez literalmente. Que cidade existirá aqui dentro de mais cem anos?
Tento chegar a um dos cinemas clássicos de Alexandria que tinha marcado no mapa mas devo-me ter distraído e quando dou por mim já estou a 900 m e a afastar-me. Vejo as horas. Já vou voltar ao hotel.
Afinal o quarto não está pronto, há ali um certo caos na comunicação, nas operações. Mais uma hora, protesto sem convicção. OK, um pouco menos de uma hora. Posso esperar no salão. E assim passarão uns 45 minutos desta viagem, comigo quase sozinho num salão nobre. Apenas um inglês de uns 70 anos me faz companhia, sentado do outro lado do espaço, a contemplar a rua lá fora. Acabou de sair, ouvi a conversa, espera apenas qualquer coisa. Talvez um transporte, talvez alguém.
O meu quarto é mais pequeno do que o que tinha reservado e não tem secretária, que a mim faz sempre falta. Mas tem a tal vista parcial para o mar, que não me serve de absolutamente nada. Este upgrade é o chamado presente envenenado, mas OK. Naqueles primeiros momentos não estou muito satisfeito. Há um bater constante. Estão a arranjar qualquer coisa mesmo por cima do quarto.
Vou almoçar ao restaurante lá em cima. A música está demasiado alta, logo substituída por um piano com marca de Schubert, cortesia dos meus auscultadores e da maravilhosa tecnologia de Noise Reduction.
Como uma bela pratada de esparguete à bolonhesa com timbre egípcio acompanhado com uma Stella. A vista é magnífica, sobre a baía de Alexandria.
Passo uma boa parte da tarde na ronha, no quarto, a usufruir da primeira cama de qualidade que tenho desde há muito tempo. OK, houve Luxor, fora isso já vão umas semanas. Acabo mesmo por adormecer. Quando acordo o dia está a acabar, e noite chega. Estou preguicoso. Já passa das sete quando arranjo coragem para me levantar. Quero ir ao Carrefour comprar umas coisas para hoje e para amanhã.
Agora as ruas estão diferentes. É um mundo de caos, gente por todo o lado, carros, muitos, todos a apitar ao mesmo tempo. Há charretes puxadas por cavalos, passam os eléctricos azuis. Imensa juventude que se junta à porta dos cafés mais cool de momento.
Lá vou seguindo o Google Maps e encontro o supermercado dentro de um centro comercial. Compras feitas, honestidade do caixa testada com uma nota de 100 a mais passada por acidente. Volto ao quarto, arrumo as coisas. E agora uma última missão do dia…
Vou ao Cecil Hotel, pergunto se posso ir só tomar uma bebida ao bar. Posso. Reina por ali uma imensa tranquilidade. No bar apenas um casal ocupa uma mesa. Um bar estereotipado de hotel, escuro, de outros tempos. Não sei o que ali sobreviveu ao passar dos tempo e o que é original. Gostaria de perguntar às coisas se se encontraram com Josephine Baker, se sentiram o aroma do charuto de Churchill, se assistiram à passagem de Al Capone, se viram Somerset Maugham escrever a uma das mesas. Eu, pelo menos, bebi mais uma Stella, enquanto batia umas linhas nestas teclas.
Voltei ao quarto para um fim de serão sossegado, descansado, confortável. Dormirei bem, a cama é de qualidade, a temperatura é perfeita e, tomadas as devidas medidas, o silêncio é practicamente total.