Terminava o mês de Outubro de 2007. Tinha-me mudado para Praga há um par de semanas e aquele frenesim de descoberta de um novo “lar” estava no máximo. Cada dia saia de manhã com uma fome imensa de explorar, de descobrir os recantos secretos daquela cidade que aprenderia a chamar de “minha”.

Naquele dia decidi aventurar-me por Divoka Šárka, um dos diversos parques de grandes dimensões que se podem encontrar em Praga. Todos os que chegam a Praga de avião passam junto a esta mancha verde, mas poucos se aparceberão das maravilhas que encerra.

O seu nome significa algo como “indomável Šárka”, numa alusão mítica a uma heroína do Século VI ou VII. Segundo reza a lenda, por essa altura o poder encontrava-se nas mãos das mulheres, sob a orientação da princesa Libuse. Com o falecimento desta, os homens rebelaram-se, e o “partido” das mulheres estabeleceu-se na zona norte da actual Praga. Num periodo marcado por uma aparente guerra civil, as mulheres levavam a melhor nas refregas, até que o jovem Ctirad, apontado pelo principe Premsyl para liderar as forças masculinas, começou a revelar capacidades militares que preocuparam Vlasta, a sucessora de Libuse. Então, a sua ajudante Šárka ofereceu-se para armar uma cilada a Ctirad. Os pormenores divergem, mas terá sido no lugar onde hoje se localiza este parque que Ctirad sucumbiu às mãos de Šárka, o que de resto não foi de grande vantagem, uma vez que Premsyl acabou mesmo por levar a melhor. Por fim, Šárka ter-se-á suicidado, atirando-se do topo de um dos rochedos aqui existentes. As causas apontados para o suícidio variam: uns dizem que ela se apaixonou pela sua vitima e desistiu de viver sem ele; outros, que Šárka simplesmente não conseguiu enfrentar a desonra da derrota eminente.

Apesar de o mês já se encontrar avançado estava um belo dia para caminhar, e fui-me deliciando com o passeio pela floresta pintada com os tons quentes do Outono. Estar em Divoka Šárka é como estar no país profundo, nas montanhas remotas. Há cursos de água cristalina, montes e vales, veados selvagens e penedos imponentes. E acabava de trepar a um quando vejo esta cena surreal: diante de mim estava um pequeno rebanho de cabras, ovelhas e bodes, os animais mirando-me placidamente, e, por detrás deles, sentado numa pedra, o pastor, corolário deste cenário saido de outros tempos, tocando flauta para si e para os seus animais. E que bem que o fazia. Deixei-me levar pelo encantamento da música, escolhi uma outra pedra e fiquei por ali, a aquecer os ossos ao sol ao som daquele maravilhoso som. Dizem que é a isto que se chama momento mágico. Acho que têm razão.

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