Tinha sido um dia em grande como o são sempre em Malta. Foram quilómetros e quilómetros palmilhados, por fortes antigos e falésias, praias secretas e aldeias tradicionais. Estava cansado e já não sabia bem como ia terminar a aventura. Começava a suspeitar que não ia encontrar uma forma de regressar a casa. A noite fazia-se anunciar e estava longe de qualquer traço de civilização. A nascente o céu escurecia, a paisagem pintava-se com os tons mais quentes, aqueles que só se avistam quando o sol se enfia na sua cama, lá para o fim do horizonte. Pelo menos tinha uma estrada de asfalto por onde caminhar. Haveria de ir dar a algum lugar.
Nisto, lá ao longe, caminhando na mesma via, mas uma série de curvas e contracurvas mais acima, surge uma pequena figura. Excelente. Pode trazer informações preciosas. O homem aproxima-se. Vem aperaltado, com ares de contabilista ou empregado bancário, óculos na ponta do nariz. Cumprimento-o e pergunto se fala inglês, ao que responde, com ares de ofendido, que sim, claro que sim. Fica no ar a ideia geral: “- Mas pensas que em Malta somos trogloditas?”
Exponho-lhe o meu problema. Ele, olha para o relógio, encolhe ligeiramente os ombros, como quem diz, “se fizeres o que digo ainda há esperança mas tens ar de que não te vais portar bem”, e responde que sim, que ainda há um último autocarro a passar na aldeia que se ergue no topo da colina, um pouco mais acima, e que devemos ter tempo de lá chegar à hora. Pergunto-lhe onde é a paragem. Não há. É esperar lá numa esquina e quando o vir a aproximar-se, que faça sinal, sem margem para dúvidas, que ele há-de parar.
Quando chego à aldeia, encontro o encantamento. Que lugar castiço, sereno, genuino. Penso nos que me fizeram cara feia quando disse que vinha a Malta. “Então, mas isso não é só resorts e turistas ingleses por todo o lado?”. É, se os procurarem. Mas se deixarem a aventura correr, se se perderem num final de tarde lá para os interiores da ilha, é provável que encontrem isto, a Malta profunda, um lugarejo com uma igreja milenar e casas tão antigas como o templo. Ao lado, sentados num banco corrido, um grupo de velhotes faz o que fazem todos os idosos deste mundo nas suas aldeias: conversa, provavelmente relembrando tempos gloriosos e os amigos já idos, e as vidas dos filhos e dos netos, dos vizinhos e dos forasteiros. Interrompo-os, não me atrevendo a replicar a pergunta que tanto perturbou o homem de fato ainda há pouco. Eles confirmam. Sim, sim, ainda há-de passar, daqui a uns quinze minutos. E claro, é esperar na esquina, sim… naquela ali. Obedeço. Não sem antes dar uma volta em redor da igreja, mas rápida, que brincar demasiado com a sorte pode fazer mal à saúde.
Hoje, nem me lembro do nome daquela aldeia. Havia de ser inspirado no árabe como quase toda a toponimia maltesa. Mas sei que foi uma chave de ouro para um dia pleno, e que o tal autocarro dos anos 40 apareceu mesmo, no meio do enorme espalhafato que aqueles viajantes do tempo sempre arrastavam consigo nas ruas e estradas de Malta.