A noite não foi mal passada. O chão do aeroporto de Frankfurt-Hahn é duro e frio, mas por outro lado, se a coisa for bem escolhida, encontra-se um bocadinho com ficha de electricidade, mesmo à porta da casa de banho e com muita privacidade. De tal forma que durante toda a noite ninguém passou por ali. E há internet, porque a PT mantém um acordo de “roaming” com a operadora que assegura a conectividade no terminal, e, portanto, como cliente do serviço SAPO, posso usar os meus dados de login para passar uma noite cheia de entretengas.
A perspectiva do vôo para Rhodes causou-me alguma angústia. Depois de uma noite mal dormida a última coisa que desejava era passar mais três horas sentado numa cadeira de coxia sem me poder mexer. Mas por razões que a Razão desconhece, o avião ia muito vazio. De forma que tive direito a uma fileira inteira de lugares, o que deu para ultrapassar o incómodo natural da viagem de forma muito confortável. Isto fez-me racionalizar a importância do espaço no conforto de uma viagem aérea. Na véspera, fresco que nem uma alface, amaldicoei vezes sem conta a minha sina, incomodado, farto, irritável. Hoje, depois de uma noite sem noite, as horas passaram num instante, entre sonecas e leituras e em menos de nada dei comigo a aterrar em Rhodes, uma aterragem, aliás, suave como manteiga.
E assim continuaram as coisas, quer dizer, a andar na perfeição. Lá estava o autocarro para a cidade, como que à nossa espera. São uns 30 minutos por entre uma trama urbana deprimente, feita de casas em mau estado e uma pobreza que se sente no ar, mal disfarçada pela injecção de dinheiro proveniente de um turismo que mal conhece épocas. Já do avião tinha visto os minúsculos pontos a enxamear praias e piscinas. E agora, ao dobrar de mais uma esquina, ali está, aquele belo Mediterrâneo, com uma côr incrível. A praia seria decepcionante se as costas deste mar ainda me criassem ilusões. A relativamente longa extensão que chega até às portas da cidade de Rhodes está coberta de pequena pedra redonda e, aqui e acolá, de areia grossa escura. Dizem-me que esta costa é mais rebelde, estando vocacionada para o surf e windsurf, enquanto que na outra metade da illha as águas são mais mansas e as pessoas preferem-nas para fazer praia e nadar.
O nosso anfitrião chama-se Emmanuel e deixou-me logo à vontade: podemos aparecer a qualquer hora depois das três. Mas isso não seria conveniente. O tempo para esta viagem tem de ser espremido, e não poderia desperdiçar a oportunidade de explorar desde logo a parte antiga da cidade de Rhodes, património classificado pela UNESCO. Como sabemos o Colosso, uma das sete maravilhas da Antiguidade, há muito que deixou de existir. Colocado à entrada do porto para comemorar a vitória sobre o cerco que os atenienses montaram a Rhodes. Não sem um pouco de razão: a história desta cidade Estado apresenta um padrão evidente: em cada guerra da região, aliaram-se ao que pensaram ser a parte mais forte, que invariavelmente se revelou a mais fraca e instantaneamente perdeu a “amizade” de Rhodes que se apressou a passar para a outra linha da “barricada”.
Se o Colosso se foi, o porto mantém a glória de outros tempos. Não do apogeu de Rhodes, que esse não deverá regressar. Mas a magia que ao longo da História encantou viajantes, continua lá.
O autocarro deixa-nos em Mandraki, o centro da cidade. Logo chegamos ao porto, que exploramos detalhadamente. Primeiro, as docas reservadas aos navios de recreio, que se estendem em linhas heterógeneas, com embarcações de vários tipos, idades e nacionalidades. A maioria ostenta o pavilhão grego, mas passamos junto a iates búlgaros, ingleses, americanos e sobretudo muitos franceses. Já a chegar à extremidade do molho, que é precisamente onde o Colosso se encontrava, junto ao forte-farol (actualmente encerrado), um grupo bem disposto de ucranianos abstados trabalhar para acostar o luxuoso iate em que viajam.
É tempo de procurar comprar o bilhete para o ferry para Santorini, que deveria ter sido adquirido online, mas que não o foi porque para isso é preciso fazê-lo pelo menos quatro dias antes da partida e quando fui para comprar já essa linha tinha sido ultrapassada. Enfim, foi simples resolver o antecipado problema, tratando da aquisição numa agência de viagens servida por um humorado colaborador que me fez rir a bom rir.
A seguir, está o porto de navios de grande calado, onde se encontra um enorme paquete, com flancos a parecerem-se com blocos de apartamentos. Para a sua direita, um navio de transporte da Royal Navy. E depois, há um outro porto, o dos ferries de médias dimensões. Ali vimos, ao longe, o Blue Star 2, gémeo do Blue Star 1 que nos levará a Santorini. Para o seu ventre entravam camiões, pequenos como formigas à distância que observávamos.
Resolvido o problema, foi tempo de descobrir a cidade antiga. Assim de repente, ocorre-me fazer uma divisão grosseira da área: as ruas onde todos os turistas desfilam, cheias de resraurantes e lojas variadas, com o bulício que se pode imaginar nestas condições, incluindo os chatos que a cada dez passos nos convidam a experimentar os petiscos alegadamente únicos do estaminé para o qual trabalham; depois, há tudo o resto, as ruelas desertas ou, no máximo, com presenças ocasionais de gentes locais, às quais os estrangeiros parecem ser adversos e que me dão, pela enésima vez, uma representação gráfica da diferença entre turistas e viajantes.
As ruínas estão por todo o lado e falam de outras épocas, de glória e riqueza. Por aqui passaram cavaleiros, mais tarde chamados de Malta, de armaduras luzídias e almas devotas. Resistiram aos Turcos enquanto puderam, que não foi muito, e depois retiraram-se para outras partes, mais ocidentais, onde fincaram pé e repeliram sucessivos assaltos das hordas do quarto crescente. Entretanto, durante uns oito séculos, Rhodes foi otomana, e desses tempos ficaram umas quantas mesquitas. Em 1912 chegaram os italianos. E apenas depois da Segunda Guerra Mundial a ilha ficou a cargo da Grécia.
As muralhas de Rhodes são imponentes, e em algumas partes defendidas por um duplo fosso que pode ser explorado se for esse o desejo do visitante. Quando o fiz, practicamente não encontrei ninguém. Enquanto os ocidentais quase se acotovelavam e resistiam às investidas da restauração, ali estava, sem uma alma à vista, entre fossos e muralhas, túneis e ameias, que tanto sangue viram ser derramado.
As ruas turísticas têm o seu encanto. Como medicina a ser tomada em pequenas quantidades, há que dar vistas de olhos fugazes ao seu ambiente vibrante, às cores intensas das lojas e bancadas de rua, ao tagarelar dos gregos que fazem tudo isto funcionar. Parámos para comer um pedaço de pizza numa pequena loja sem esplanada. Havia uma pequena mesa onde um homem se sentava com um jovem. Vendo-nos ali, em pé, com mochilas ao lombo e pizza na mão, convidou-nos a sentar. O dono da pizzaria. Ali ficámos em conversa de ocasião. Se tinhamos chegado ou estávamos de partida; se já conheciamos a Grécia; se iamos a outras ilhas; se precisávamos de algum esclarecimento ou ajuda. Sei lá porquê, tinha formado a ideia que os gregos eram genericamente antipáticos, assim como que uma versão mediterrânica dos bons checos. Mas esse preconceito foi duramente desafiado no primeiro dia por terras da Grécia onde só tive experiências positivas com a malta local.
Nas deambulações que se seguiram, e que já seriam as últimas pelo cansaço que entretanto se fazia sentir, encontrámos uma prazenteira esplanada onde tomámos uma bebida. Paguei 2,50 Eur por uma cerveja de meio litro, nada mau para uma cidade cheia de turistas que os gregos se encarregam de meticulosamente “mugir”. E com a cerveja veio Internet gratuita. Deu para parcialmente recarregar energia antes de uma última estirada, que se prolongou mais do que esperado, porque foi por esta altura que os cantos mais remotos e interessantes da cidade antiga foram descobertos.
Apanhámos o autocarro para casa do Emmanuel. 1 Eur é a tarifa única para os autocarros urbanos. Com a morada no GPS não houve espaço para stressar, mas o percurso daquele autocarro dá com qualquer um em louco. Entra em bairros para tornar a sair, aproxima-se e afasta-se, anda em todas as direcções, por vezes sem uma razão aparente. Mas chegámos. Saímos na paragem errada mas estávamos lá, a apenas 400 metros de distância. Tivéssemos nós optado pela saída correcta e teriamos ficado a… 10 metros de casa. Mas como não foi isso que sucedeu, havia ainda uns 600 metros a vencer.
Em casa do nosso anfitrião estava também o Josh, americano, jovem, estudante de francês e professor de inglês, a trabalhar e estudar algures na Normandia, e que partiria no dia seguinte para a Sicilia, antes de regressar a França. Depois das apresentações e de alguns minutos de relaxe, saimos todos juntos.
Com o nosso cícerone ao volante fomos até Rhodes, a um café de gosto duvidoso, muito snob, muito “fashion” mas também algo “cheesy”, um local do momento para a sociedade local com preços ainda mais elevados do que nas zonas altamente turística do centro. Depois, veio o melhor: jantar numa espécie de fast-food grega, onde me deliciei até ao infinito com uma pitta grega, composta por molho de yogurte, azeitonas cortadas às rodelas, tomate fresco e muito queijo fetta. D-E-L-I-C-I-O-S-O. E barato. Paguei 2,60 Eur e ainta tive como bónus uma generosa fatia extra de “fetta” num prato ao lado. A noite estava agradável e jantámos numa mesa no exterior. Soube desde logo que não seria a minha última vez naquele local. E digo o nome para o caso de ser de utilidade a alguém: Pittpapou. Creio que se trata de uma rede de restaurantes e que fazem entregas ao domícilio.
Já no regresso a casa parámos na “akropolis” de Rhodes. Foi mais um pouco de aventura e boa disposição e umas fotografias espectaculares. Talvez queira regressar ao local durante o dia, até porque há por ali mais para ver, nomeadamente um hipódromo antigo.