Humm uma noite numa caminha a sério, de lençois lavados, com um duche agregado. Dormir até quase às dez horas, para depois levantar numa pressa de aproveitar o pequeno-almoço oferecido pelo hotel. Pão de forma endurecido pelo ar, leite, sumo de pacote, compotas, fiambre, queijo e bolos secos. Não é propriamente luxuoso, mas pelo preço da estadia sabe que nem ginjas.

E com isto já é um pouco tarde. Saimos para a rua decididos a explorar Thira, a cidade principal da ilha de Santorini, também chamada de Thira, precisamente. Depois de rodopiar um pouco em busca do rumo certo, damos conosco a subir uma estrada estreita, com algum movimento e comércio abundante. Que os empregados de restaurante tentem aliciar os transeuntes para as suas pretensas iguarias, ainda vá; é prática corrente em grande parte do mundo, incluindo aquela de onde provenho. Mas em Santorini, a estes, juntam-se os “alugadores” de veículos… carros, scooters, moto 4. “24 Euros, ready to go”, diz um homem já de cabelos brancos e ventre fausto, apontando para um Smart que tem ali parqueado, no pequeno espaço defronte do seu estaminé, onde consegue o milagre de condensar três carros.


Mais ao lado, num anexo, vêem-se uma dúzia de moto 4. É incrivel o número de quadriciclos em Santorini. Por toda a ilha existem dezenas largas de estabelecimentos a alugar. Cada um deles tem pelo menos dez moto 4 parqueadas defronte. Os locais devotam-lhes um ódio especial: as estradas são sinuosas, e estas viaturas têm uma velocidade limitada, tornando-se um estorvo irritante. E são milhares destes pequenos besouros, conduzidas tantas vezes por turistas sem qualquer preparação ou vocação. Uns de capacete, outros sem, que o acessório não é obrigatório. Mas também, se existe polícia por estas paragens será uma presença simbólica, apenas para as grandes ocasiões: desde que há memória cometeram-se dois assassínios na ilha, e a um deles voltarei mais tarde, no contexto certo.


Iamos nós então por essa estrada acima, quando algo me leva a atravessá-la. Do outro lado, uma igreja, como tantas outras. Mas ali mesmo, junto ao edíficio religioso, abre-se uma janela para o paraíso, sente-se uma vertigem azul: até meia falésia, as casas brancas, de todos os tamanhos e dimensões, umas tradicionais, outras mais “sofisticadas”; depois, a perder de vista, começando lá muito em baixo, no fundo da parede rochosa e abrangendo o horizonte, o mar. Mas o cenário não se limita a este vislumbre do éden. Mesmo defronte, a “caldera”, ou seja, o vulcão de certa forma ainda activo, e para além deste, a ilha menor chamada de Thirassia. Dali, quando se tem aquele primeiro contacto com a deslumbrante Santorini dos postais ilustrados, percebe-se inteiramente a incapacidade das imagens em transmitir certas coisas. Pensava que estava preparado para aquilo, e suspeitava mesmo que levava expectactivas tão elevadas que só poderiam resultar em desapontamento. Mas não. Santorini é tudo o que se diz e mais, muito mais.





A ilha tem também os seus pontos fracos, e o mais notório é a evidente mas inevitável massificação do turismo. Do ponto de êxtase podia-se ver sobre as águas do Mediterrâneo um enorme paquete. Sinal distante da degeneração da Santorini clássica. Mais perto, a míriade de casas pintadas num branco imaculado, com as suas piscinas de azul cristalino, tão limpas que por vezes é díficil perceber se estão cheias ou vazias. Essa é a outra face do mesmo turismo. Entre visitantes de um dia e turistas residentes é uma enorme população que aqui se concentra nos meses de Verão. Para já, em inícios de Maio, o balanço é perfeito. Existem pessoas suficientes para trazer vida às ruas das aldeias de Santorini, mas não tantas que tornem qualquer passeio num suplício. Nas estradas não começaram ainda os engarrafamentos de Verão. Os supermercados não estão a abarrotar. Associe-se a isto os dias de sol perfeitos, com temperaturas a rondar os 25 graus, de que gozámos durante a viagem pelas Ilhas Gregas e está encontrada a melhor altura do ano para se passear por estas paragens. Também neste aspecto foi um tiro certeiro.

Mas há coisas de que nem Maio nos salva: os preços são de loucos. Leite? 1,30 Eur. Gasolina? 1,90 Eur. Um saquito de tostas? 3 Eur. E isto, preços Carrefour. Nem falar nos pequenos supermercados, onde um pequena barra de chocolate chega com facilidade aos 1,50 Eur e uma lata de refrigerante é bem para custar uns 2 Eur.

Fomos andando pelo labirinto de caminhos, escadas e escadinhas. Uns metros mais acima, uns metros mais abaixo. Depois, sem saída. Voltar atrás, descer ou subir para procurar uma alternativa. Sempre com o panorama azul do lado esquerdo. Esta é a Grécia dos bilhetes postais: as casas brancas, as cúpulas das igrejas ortodoxas em azul, a calmaria do Mediterrâneo.

Num daqueles supermercados de preços ultrajantes comprámos umas coisitas para comer. Leite, maçãs, bolachas e mais umas quantas coisas. Num cantinho encontrei o espaço idílico para pôr a mesa. Com sombra ou sol, vista para tudo aquilo que tinhamos acabado de palmilhar, alguma intimidade, abrigo do vento, uma laje plana como mesa, e um chão plano, confortável. As pernas ansiavam por aquele repouso, os estômagos exigiam um abastecimento. Depois de comer, ficámos por ali, simplesmente a ler, a gozar o momento.

Depois foi vir andando, de regresso ao bom hotel Popi. Tinhamos percorrido toda a distância até Imerovigli, duas aldeias acima de Thira.

O primeiro pôr-do-sol em Santorini. Não é tão espectacular como se diz por esse mundo fora. Talvez porque Portugal tem as características que tem, e para nós esta coisas do sol se deitar no mar é coisa banal. As ruas estão quase vazias. Esperava uma pequena enchente num Sábado á noite, mas não. Muitos dos visitantes que palmilhavam estas vielas há apenas umas horas estão agora no conforto dos seus camarotes, no enorme paquete que se afasta placidamente da ilha.

O serão foi passado no espaço de entrada do hotel, onde podemos usar livremente Internet, nas calmas.

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