Para a manhã estava guardada a principal atracção da região, Velha Goa, a antiga capital do território que acabou por ser abandonada pelos portugueses no século XVIII após uma série de epidemias que dizimaram a população e que fizeram as autoridades considerar o local como impróprio para ocupação humana.
Mas antes disso teve lugar o pequeno-almoço, uma bela refeição, tomada no Abrigo do Botelho, incluída que estava no preço do alojamento. Ouvimos mais uns conselhos e informações dados pelo Roy e lá fomos até à estação de autocarros, ali tão perto, que haveríamos de visitar tantas vezes ao longo desta relativamente curta estadia em Goa.
Encontrar o autocarro certo foi fácil. Toda a gente conhece e sabe de onde saem. São muitos e estão sempre a arrancar. Simples. Passado pouco tempo estávamos a chegar. Era ainda cedo e havia poucos turistas. O calor, contudo, já estava presente. Se é que alguma vez se ausenta. Aquele bafo tropical, húmido.
Dali vejo logo uma série de igrejas. As igrejas ficam quando tudo o resto desaparece. São os edifícios que pela sua natureza, associada ao divino, são construídos com materiais duradouros. São criadas para atingir a Eternidade.
Estou fascinado e naquele entusiasmo quase infantil nem consigo decidir por onde começar. Vai ser já por esta aqui, parece mais antiga. Uma igreja de blocos de pedra, que transpira história. Observo-a com calma, procurando fazer render o momento. Aproxima-se um grupo de jovens, uma escola que vem em massa à igreja, todos fardados como se dissessem que ali nada mudou desde 1961, num estilo que parece parado no tempo.
Afastamo-nos, vamos para paragens um pouco periféricas, vemos mais uma igreja e depois outra, esta segunda incorporada num complexo muito bem restaurado, tudo pintadinho e claramente activo, albergando uma ou mais instituições da Igreja Católica. Há carros parqueados, pessoas que entram e saem. Vamos prosseguindo e chegamos a um local com características opostas. Do que ali havia não sobrou muito. É uma ruína, pode-se ver os restos de uma torre e uma série de paredes, ou o que ficou delas. É mesmo assim um local fascinante, mais pelas inscrições talhadas na pedra que assinalam os túmulos de altas personalidades portuguesas.
Conheço um senhor que já não fala português, que vive no exterior, creio que nos EUA, e que com a esposa visita Velha Goa na companhia de uma freira que age como guia. Conversamos um pouco e mais tarde vejo-os de novo quando partem.
Tiro ali dezenas de fotos. Não há quase mais ninguém no local. Apenas uma equipa de varredoras que limpa a área. O calor… o calor… hora de fazer uma pausa, comer qualquer coisa, beber um pacotinho de sumo.
Passamos por uma agradável esplanada. Entro para ver o restaurante. Não me atraiu mas achei um cartaz onde está anunciado: “Serradura – a delicious n creamy Goan Portuguese dessert”. Vamos agora próximo da Sé Catedral, uma igreja mais banal, não fosse o caso de se encontrar onde se encontra. É um templo comum, pintado de branco. A esta hora já há imensos turistas. Muitos mesmo. Não entro, não gosto muito de entrar em igrejas. Noto que a melhor perspectivas é por detrás do jardim fronteiro à Sé, apanhando a igreja e a cruz que se encontra ali.
A exploração de Velha Goa prosseguiu, não sem antes me retemperar com um saboroso copo de sumo de cana, algo que descobri muito recentemente e que adoro beber. E de seguida encontrámos a minha igreja favorita, pela tranquilidade que a envolvida. Nem uma só pessoa por lá, dá para acreditar? A poucas centenas de metros de uma Sé onde uma multidão circula. Falo da igreja de São Caetano. Ali até entrei. O interior é sóbrio, quase espartano, muito espaçoso. No exterior um bonito jardim, escrupulosamente cuidado.
Foi um momento inesperadamente agradável. Ali ao lado encontramos o Arco do Vice-Rei, uma estrutura imponente sobre a qual se passa para se ter acesso ao pontão onde dois ferries que parecem lanchas de desembarque operam, de um lado para o outro, incessantemente. O calor está no pico e ficamos ali um pouco à sombra, a descansar, a ver aquele vaivém.
Seguimos depois até à capela de Santa Catarina, apenas porque a vimos sinalizada. Foi um esforço vão, porque não achei piada alguma. Chegava assim a hora de concluir a visita a Velha Goa. Tinha sido uma parte do dia em cheio, plena de emoção, aquele sentimento que bate quando se vê pela primeira vez algo que habitava no nosso imaginário desde sempre. E que não decepciona!
Regressar foi um bocado complicado. Esperámos onde era suposto o autocarro parar mas o tempo passava e não vinha nada. Confirmámos com as pessoas. Era mesmo ali. Finalmente, quando já desesperava, apareceu o transporte. Mais uma viagem rápida até Panjim, notando alguns troços da estrada ladeados com bonitas casas de estilo colonial. Infelizmente ali não existiam bermas e o trânsito era sempre bastante intenso o que não encorajou uma visita posterior.
De regresso a casa, foi tempo de relaxar um pouco. Como gostava de chegar aquele oásis de tranquilidade e apreciar o ritmo lento de vida que dali emana. Nada se faz com pressas. Os ajudantes do Roy, sempre descontraídos e com um sorriso. E o patrão, pronto a informar e aconselhar.
E foi ele que me indicou com todo o detalhe onde encontrar algo que procurava, pela curiosidade, como tenho feito em todas as ex-colónias portuguesas: a casa do Sporting Clube de Portugal. Ficava do outro lado da cidade, mas podia-se caminhar até lá. Pela principal via de comércio de Panjim, a rua mais atarefada da cidade, onde se encontram as melhores lojas. Deixámos o calor do pico da tarde morrer e lá fomos.
O caminho foi… banal. A cidade “moderna” não tem grande interesse. Bem, claro que tudo é interessante. O mundo é interessante. Mas relativizando, não será do melhor que Panjim tem para oferecer. Trânsito, lojas, pessoas. A arquitectura não é atraente mas achei engraçada as tabuletas anunciando consultórios de advogados e médicos, tudo gente de nome português, assim como em português eram os nomes de muitas lojas.
Não me arrependi mesmo nada de ter feito o caminho a pé. Vi e aprendi. E não é assim tão longo como isso. Em menos de nada estávamos em Campal, o nome da zona da cidade onde queríamos chegar. Encontrámos a loja de livros que o Roy nos tinha indicado. Queria comprar algo sobre a época portuguesa de Goa, mas não encontrei nada que me enchesse as medidas. Mas gostei de visita a livraria, de qualquer forma.
Logo a seguir, lá está ele, o símbolo do glorioso Sporting. Faz-me sempre sorrir. Como já tinha acontecido em Bissau, em Dili e em São Tomé.
Mais à frente, a ampla avenida que segue junto à água, sem aquela personalidade de uma verdadeira margina, separada que estava do rio por uma faixa ajardinada larga e com bastantes árvores, que inclui o Jardim de Campal. A esse não achei grande piada. O Roy tinha sugerido que o visitássemos e assim o fizemos mas é um local que senti como banal. Melhor são as casas que se encontram do lado oposto da avenida, belas casas, cheias de charme e antiguidade, quase todas restauradas e ocupadas a bom nível. Numa funciona um café cheio de estilo. Outras serão habitadas ou usadas por gente de posses. Recomendo.
A partir dali iniciámos o caminho de regresso. Nas calmas, seguindo essa avenida. Há muito para ver. Algumas pessoas passam por nós, fazendo os seus passeios de fim de tarde, uma altura do dia muito concorrida porque para além de ser um período pós-laboral é quando as temperaturas altas começam a descer. Panjim é uma cidade super segura e isso sente-se na descontracção dos habitantes. Posso até estar errado mas sinto que é quase impossível ser ali atacado, roubado, importunado.
A tarde está linda. O sol vai-se ponto e noite cairá em breve. Rapidamente, como é normal nestas latitudes. Caminhamos agora junto à agora, é mesmo a marginal que esperava. Ao largo, os casinos flutuantes, que ligaram já a iluminação espampanante para a noite. Do lado da cidade continuam a desfilar velhos edifícios cheios de glórias passadas.
Vejo o monumento à memória das vítimas de um trágico naufrágio que aconteceu ali mesmo defronte. 81 pessoas pereceram. Em 1901. Mesmo ali em frente há uma paragem de autocarro. É hora de ponta em Panjim e não posso deixar de reparar na forma ordeira como a pessoas formam filas e vão entrando nas viaturas. Uma coisa bem diferente do que se passa no resto da Índia onde a multidão se precipita sofregamente para as entradas dos autocarros, sem qualquer ordem.
Mais à frente, já afastados da margem do rio, reparamos em algo que tem o nome de Clube Vasco da Gama. Irei investigar, perguntar ao Roy. E já estamos a chegar. Uma paragem para abastecimento no supermercado ali próximo e, depois de um momento de descanso no quarto, a saída para jantar, ao Viva Panjim!, claro, ali tão perto e sempre tão convidativo.
Refeição deliciosa, apesar de termos sido remetidos para a sala dos fundos à falta de espaço no melhor espaço do restaurante. Foi um dia em grande e para fechar esta crónica deixo aqui uma imagem do Retiro do Botelho pela noite.