Há no ar um ambiente de despedida. Ainda faltam três dias para iniciar o regresso a Portugal, mas sinto uma descompressão. Daqui para a frente será mais uma longa espera, intercalada com algumas saídas, do que uma estadia de exploração.
Deixamos aquele adorável lar que tão bem nos recebeu. Foi uma experiência marcante. Uma noite apenas, mas foi um imenso prazer aqui estar, observar e viver este momento. Despedimo-nos dos anfitriões, com fotografia d’honra.
Caminhamos já com saudade até à estrada principal e aguardamos pacientemente pelo autocarro que nos levará até Margão. Foi preciso esperar um bom bocado, mas enfim seguimos, mudando com facilidade para um outro autocarro para Panjim.
Na capital a estação rodoviária estava igual a si própria, animada e caótica, à escala de Goa, e deu para beber o sumo de um coco no fornecedor do costume, um tipo vindo não sei de onde (nem era da Índia) que nunca tive ouvido falar em português, mas que era imensamente simpático.
A caminho do Abrigo do Botelho, mais um daqueles encontros casuais com um homem que fala português. Deixa-nos o contacto para o vermos numa próxima visita a Goa. E chegamos, recebemos um quarto diferente, mais caro, no primeiro andar. Na realidade gostei mais do outro, mais barato, no piso térreo, mas sem drama, de qualquer forma será apenas por uma noite.
Foi bom reencontrar o Roy, sentir-me em casa, como tantas vezes acontece nestes momentos de viagem em que depois de um círculo regresso ao ponto de origem. É um padrão nas minhas andanças pelo mundo, é engraçado.
Foi almoçar ao Viva Panjim. E que barrigada. Mais uma magnífica refeição neste local de que tanto gosto. Comi tanto, mas tanto, que fiquei à beira de ter uma congestão, o que para mim é uma situação bem rara.
Depois do faustoso repasto foi tempo de explorar um pouco algumas das ruas do centro histórico de Panjim que tinham ficado para ver. Foi o passeio possível, numa tarde com muito calor. Viram-se casas e vielas que remeteram para o passado luso nestas terras. A loja de cimentos Pereira Pimenta lá estava. Assim como a Loja Camota, Tintas & Ferro, etc. E a Casa Lusitânia – Comércio Geral. Fascinante. Estes nomes, a arquitectura, o ambiente geral.
Quando esgotámos a vontade de andar por ali, encontrámos um tuk-tuk e sem dificuldade alguma concordámos no preço justo para um serviço até à igreja de Santa Inês, próximo da área que já tínhamos explorado, onde encontrámos a casa do Sporting Clube de Goa. E porquê esta igreja? Porque foi aqui que o Roy me disse que encontraria as campas mais antigas de Panjim e isso interessava-me.
Encontrámos o cemitério deserto, apenas vimos uns cãezitos que dormitavam sobre uma laje. E lá estavam as campas, como prometido. Não fiquei especialmente inspirado porque para mim é difícil gostar dos cemitérios católicos à portuguesa, muito espartanos, muito estéreis. Tirei algumas imagens, e espreitámos a igreja, o seu interior e depois viemos andando, nas calmas, apreciando o ar desta cidade de que tanto gostámos.
Este era o dia da gala que comemora o desaparecimento de Amália Rodrigues. E os bilhetes já estavam no bolso há algum tempo, desde a noite em Velha Goa. Relaxámos um pouco no quarto e aproveitámos a simpatia do Roy que nos levou até ao anfiteatro onde o fado se cantaria neste serão.
Foi um longo momento de pura magia, que me levaria às lágrimas se fosse talhado para essas coisas. O fado que ali se ouviu nem sempre foi de qualidade, bem pelo contrário, mas foi eternecedor, tocante. Ali, em Panjim, há uma academia de fado, onde os jovens aprendem a cantar e são enquadrados, com os resultados que ali se viram.
Dá que pensar: há muitos anos que não estou numa noite de fados onde se sinta na audiência o ser português, essencial para o ambiente que esta forma de cantar exige. Foi preciso chegar quase aos antípodas para me ver rodeado de portugueses que apenas não o são na cor da pele. Que sentem um Ò Rama ò que Linda Rama como qualquer filho de Alfama.
Em meu redor a língua que se ouvia era, já se vê, português. Esta é mesmo uma outra Índia. Ao intervalo, esta sensação acentuou-se. E assim se passou o serão, com belas coreografias, ideias criativas, bonitos temas de fado. Foi um imenso prazer.
No final, saí, quase arrepiado, para a rua. Para aquela noite quente. Senti, como se viajasse no tempo, o perfume do velho império. O Portugal que existia quando vi até este nosso mundo. Fui andando, pela marginal, devagar, gozando o momento. Era a última noite em Goa e queria que durasse para sempre.
Tive pena de o Vasco da Gama estar encerrado para descanso mas… e não é que descobri o seu grande rival histórico, o Clube Nacional? Esta agremiação foi criada para desafiar o status do Vasco da Gama, onde só entrava a nata da sociedade. O Clube Nacional pretendia ser uma liberalização da noite de Panjim e ainda por lá está, e ainda bem!
Jantámos de novo magnificamente, e na companhia de um dos amigos que tínhamos conhecido no Vasco da Gama, que ali estava, desta vez com a esposa. No fim não dos deixou pagar a conta. Espero voltar a encontrá-lo. Foi um encerramento em grande.
Goa! Voltarei!