17 de Março de 2023
Neste segundo dia no Qatar deixei-me preguiçar um pouco. Fiquei na cama, depois, no apartamento que aqui dá pelo nome de quarto. Gozar deste luxo inesperado, comprado a um preço que em Lisboa não valeria um quarto piolhoso no Intendente. 60 Euros.
Saí para a rua já um pouco tarde, a manhã ia a meio. Na véspera tinha coberto muitos dos pontos de interesse referenciados para Doha. Hoje fui direito à praça das bandeiras, onde se encontram bandeiras de todos os países do mundo. Nada de especial, eu sei, mas gosto, gosto das cores.
Estava calmo. Ninguém à vista. Só o calor marca já presença. Dali meti-me pela baía que conduz ao Museu de Arte Islâmica, outro marco cultural e arquitectónico da cidade. É um passeio agradável, com muitas sombras, outras pessoas que fazem o mesmo, caminham, junto à água e aos bonitos dhows que ali lançaram ferros.
Vou andando e chego a um ponto onde um restaurante tem bolhas transparentes onde os clientes podem usufruir de uma intimidade atmosférica. Talvez um vestígio do COVID? Seja como for, muito fotogénico.
Um grupo de trabalhadores, quem sabe, do Bangladesh, Paquistão, Índia ou algo para esses lados, está sentado numa mesa na ponta da área ocupada. Não há mais ninguém na esplanada. Um funcionário do café pede-lhes para sair. São as regras. Um cliente no restaurante, no espaço fechado, com ar condicionado, chama o empregado. Tem ares de príncipe das Arábias. Compreendo, sem ouvir. Diz ao empregado para preparar comida e entregar aos rapazes. Oferece ele.
É um passeio maravilhoso. Regresso quase pelo mesmo caminho, vou dar junto ao Museu e depois apanho o Metro. A história vai-me encontrar de volta de um outro estádio do Mundial. Gosto destes espaços. São únicos, com linhas muito interessantes. Não há ninguém por perto. É o padrão. Aqui posso aproximar-me da estrutura até lhe tocar. Apenas os portões para o recinto se encontram encerrados. Ao contrário de outros estádios de Doha este é mesmo usado por uma equipa local.
E ando nestas deambulações quando um carrinho eléctrico da segurança se aproxima de mim. Estarei em sarilhos? Nada disso. Vieram só dizer olá ao visitante e aproveitar para oferecer uma voltinha no seu veículo. A minha t-shirt que diz I Love Nepal faz maravilhas. Nestes dias do Qatar abriu-me muitas portas, ganhou-me muitos sorrisos e boas vontades. Doha está cheia de trabalhadores nepaleses e torno-me o seu ídolo.
Apanho o metro e vou a um dos maiores centros comerciais de Doha. Simplesmente porque é a estação da rede mais periférica e próxima de onde quero ir a seguir: o Museu Sheikh Faisal Bin Qassim Al Thani.
E o que se segue ficará na memória. Este museu é algo imperdível, um dos pontos altos não só desta viagem mas de todas as que fiz. Acede-se por um portão guardado. Entrego o passaporte ao guarda para uma fotocópia. E o condutor Uber prossegue pela propriedade para me deixar em frente ao museu. A propriedade é digna de um filme. Uma mesquita com um minarete com uma inclinação digna de envergonhar a Torre de Pisa encontra-se ali próximo. Mais tarde dir-me-á um guarda (nepalês, claro) que a Selecção Portuguesa ficou alojada ali mesmo, no hotel ali por detrás.
Perco algum tempo a fotografar os veículos históricos colocados frente à fachada e depois entro. E a partir daí as horas passam-se enquanto submerjo num mundo mágico feito de tudo. Vem-me à ideia um outro museu, apenas outro, que gostei quase tanto de como este: o Museu Rahmi Koç em Istambul.
Sala após sala a minha boca mantém-se aberta. Êxtase. Logo a primeira, uma longa sala repleta de peças históricas, quase todas de natureza militar. Espadas árabes, fuzis fascinantes, objectos trazidos de partes distantes, da Europa, da América do Norte.
E depois salas de tapeçaria, de objectos de madeira talhada e disto e dacoloutro e de tudo o que se possa imaginar. Há até uma velha casa de Damasco, imagine-se, trazida para ali pedra por pedra e reconstruída.
Seguem-se mais um sem número de salas, e às tantas já se perdeu qualquer ordem temática, é como num fogo de artíficio, num crescendo de espectáculo aparentemente caótico até chegar ao climax.
As salas têm agora colecções de objectos completamente aleatórios. Capacetes da Primeira Guerra Mundial juntamente com medalhas olímpicas, telefones dos anos 20, e animais embalsamados, um dhow inteiro e um avião de significado histórico para alguém do Qatar. Ah! Esqueci-me de dizer? Tudo isto é uma colecção privada! Um só homem criou tudo isto e oferece aos visitantes a troco de basicamente nada.
O melhor bocado está guardado para o fim. A colecção de automóveis. Isso, meus amigos, só visto. São centenas de carros. Todo o tipo de carros. Da Pré-História do mundo automóvel, passando por viaturas usadas em filmes, carros de luxo, desportivos, de competição, carros alterados. Está ali tudo e só por si precisaria de uma tarde inteira para ser vista condignamente. E eu vim aqui com umas poucas horas disponíveis. Este é sem dúvida um lugar onde quero regressar. Tenho que voltar com um dia pela frente para ver tudo isto.
Acabei a visita já apressado pelo pessoal da segurança, mas escudado pelos seus elementos nepaleses. Deixaram-me o telefone à carga enquanto esperava pelo Uber. Já era de noite, mas escoltaram-me até ao fim, tendo a certeza que ficaria bem entregue. Alto momento!
E pronto, dali regressei ao tal centro comercial e apanhei o metro para casa. Fazia-se tarde. O dia não tinha sido tão intenso como na véspera mas mesmo assim estas últimas horas tinham sido fabulosas.