2 a 5 de Março de 2023

A primeira estadia em Islamabad (uma segunda acontecerá) foi feita de quase nada. As minhas expectativas não encontraram uma correspondência com o que se passou. Esperava passar mais tempo com o Kamran, que me mostrasse coisas, que me guiasse nas explorações da cidade, mas pouco disso aconteceu. Não lhe guardo maus sentimentos, as pessoas são todas diferentes, é normal. Além disso vim aqui aterrar numa altura complicada para ele e para a família, sentia-se o drama e a tensão no ar, o que não podia deixar de causar algum desconforto.

A maior parte do tempo passei-o no quarto, a matar horas, numa práctica que tinha treinado até à exaustão nos meus dias de Dhaka.

Na realidade começou a repetir-se em Islamabad e, por extensão, no Paquistão, o que tinha sucedido no Bangladesh. Uma sensação de prisão, de impotência para encontrar formas agradáveis de passar os dias reservados para explorar o país. Aqui mais atenuado. Sem dúvida que o Paquistão é um país mais fácil de navegar, pelo menos para mim. Mas os problemas sucedem-se. As distâncias são enormes, as vias de comunicação revelam-se débeis. Ali não porque o Governo interditou a área a estrangeiros. Ali não porque as estradas ainda não reabriram depois do Inverno. Ali não porque os bilhetes de avião estão esgotados. Por estrada? Dezasseis horas de autocarro. Ali não porque é preciso pedir uma autorização especial para lá ir. E foi isto a minha vida no Paquistão. Até que descobri que de forma realista e práctica não tinha muito onde ir.

Do conforto da casa do Kamran – que para piorar a situação era bastante periférica – fiz algumas expedições: visitei o Monumento do Paquistão, o parque Fatima Jinnah, a mesquita Faisal Masjid. E pouco mais. Dei também um passeio a pé nas imediações, passei tempo na zona onde o Kamran trabalhava.

Vamos por partes. A minha primeira saída foi ao parque Fatima Jinnah. Bem no centro de Islamabad, próximo do hospital onde o Kamran trabalha como podologista, é enorme. Encontro-o com muito pouca gente. E encontro também a minha primeira geocache no Paquistão. Está um dia perfeito, boa temperatura, céu muito azul. Um passeio agradável para esticar as pernas. Entrei por um lado e saí por outro portão.

Dali chamei um Uber para me levar ao Monumento do Paquistão. Ali sim, há uma pequena multidão, vê-se que é um lugar popular. Há que pagar bilhete. Um fluxo de pessoas acorre ao monumento, há barraquinhas sem fim a vender comida e bebida.

O monumento é uma coisa linda. Eu acho. Muito fotogénico, é uma criação artística, um colosso que impressiona. Tem em si gravadas representações de momentos chave da história do Paquistão. É a jóia de um complexo que inclui um miradouro desde o qual se pode ver quase toda a cidade, que se localiza num plano. Há também um museu de história, pequeno mas interessante.

Demorei algum tempo no local. Porque se estava bem e gostei de observar todo aquele ambiente de festa, as pessoas, sempre as pessoas. Eventualmente chegou a hora de partir. Ali naquela zona existiriam outros pontos de interesse mas a única coisa que encontrei de forma objectiva foi um outro museu integrado num espaço de lazer. O guarda, armado com uma AK47, assim que soube que eu trazia uma câmara fotográfica na mochila disse logo que não podia entrar. Um bocado parvito.

Andei mais um pouco até um ponto de referência óbvio onde pudesse chamar um Uber. Demorou eternidades. O passo seguinte era a mesquita Faisal Masjid, um ex libris da cidade.

Considerando que, tal como Brasília, Islamabad é uma cidade planeada, a mesquita é moderna. Vê-se ao longe. O meu condutor deixou-me no parque de estacionamento e combinámos que me esperaria  para depois me levar aonde o Kamran trabalha. O tipo tinha um ar um pouco… sei lá… de aldrabão…? Mas correu bem. Quando acabei a visita lá estava ele.

Não entrei na mesquita, não me senti à vontade nem com o interesse suficiente. Havia demasiada gente. Mas o espaço envolvente percorri-o todo. Tal como o monumento, este templo é uma obra arquitectónica que tem de ser vista. E depois, de novo, o ambiente humano. Muita gente, barraquinhas, atrações e comidas, uma festa pegada.

Despachei-me antes do Kamran. Na realidade, levei uma bela seca, bem mais de uma hora à espera. Primeiro comi qualquer coisa num pequeno café ali próximo. Depois andei pelas poucas ruas ali por perto, encontrei uma casa de batidos e sumos, bebi um, fiz amizade com o gerente. Sentou-se ao pé de mim, conversámos longamente, deu-me ideias e conselhos, trocámos contactos, prometeu ajudar no que pudesse se precisasse.

O que eu queria mesmo visitar no Paquistão nunca aconteceu: as montanhas do norte, Gilgit. Culpa minha. Não comprei passagens de avião quando devia e quando fui por elas estavam todas vendidas. O Kamran ainda moveu algumas influências, conhecia o director do ramo de Islamabad da companhia aérea do Paquistão, e arranjou passagens, mas para umas datas que me deixariam por lá apenas dois dias. Não valia a pena. Homem de muitos recursos, tentou arranjar-me boleia num helicóptero do exército, mas não havia missões previstas para os dias que me convinham.

Por estrada seria um pesadelo, uma viagem sem fim, por vias sinuosas e em mau estado, eventualmente encerradas. Acabei por desistir e este foi o grande falhanço da visita ao Paquistão.

Pensei em alternativamente visitar a região que faz fronteira com a Índia, mas tinha informação contraditória. Estaria encerrada a estrangeiros. Ou não. O Kamran, sempre ele, conhecia o governador-geral da província. Ligou-lhe. O tipo, por assim dizer, passou-me um salvo conduto oral, gravado no meu whatsapp, que dizia que sim, que podia visitar livremente a região. Mas acabou por não acontecer. Mais problemas logísticos e um certo cansaço de problemas fez-me desistir também deste projecto.

Contactei alguns Couchsurfers em locais mais remotos. Ou não podiam ou podiam mas não senti aquela confiança em me aventurar. Alguns eram grandes figurões. Um, vivia numa área onde periodicamente havia interdições, por causa de actividade de radicais islâmicos. Esse oferecia tudo aos visitantes. Que não me preocupasse com estadia, nem com transporte, nem com comida… seria tudo por conta dele. Mas depois demorava dias a responder às mensagens e a comunicação, por questões linguísticas, era complicada. Desisti também desta situação prometedora.

Outro Couchsurfer queria muito que o visitasse mas estava com grande gripe. Acabou por me convidar, mas achei rude da minha parte aceitar.

O resto dos dias em Islamabad foram reduzidos a uma nulidade. Jantares em família, sempre servidos pelo doméstico interno. Uma ou outra saída com o Kamran para lhe fazer companhia em tarefas rotineiras. Em alguns serões bebemos chá a horas indecentes com um conhecido do Kamran, um médico cardiologista assumidamente maníaco compulsivo. Inicialmente formal e distante, foi descontraindo comigo e nas últimas vezes revelou-se uma personagem divertida, colorida, interessante. Adorava carros clássicos, gostava de fumar o seu charro e passámos horas a fio, noite dentro, em casas de chá locais (estão abertas quase 24 horas por dia) na zona comercial do bairro onde ambos viviam.

Passaram-se assim quatro dias e ao quinto parti para Peshawar. Para mais uns bons dias no Paquistão.

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