16 de Março de 2023

Não passei muitos dias no Qatar mas foram intensos e extremamente preenchidos. Esta visita foi uma espécie de ajuste de contas: tinha planeado visitar o pequeno país em Novembro ou Dezembro, quando andei pela Arábia Saudita, Bahrein e Kuwait. Mas tinha-me esquecido que aqui se realizava o Mundial de Futebol. Impossível de entrar. Tudo cheio, restrições na fronteira, preços surreais (o alojamento mais barato seria 450 Euros de diária e só se podia entrar no Qatar com reserva de alojamento). Portanto, aproveitei esta oportunidade no regresso da viagem maior pelas Índias. E que bem que fiz!

O dia começou cedo. Pela ânsia de partir à descoberta e pela prudência e vontade de evitar o pico do calor. A primeira paragem foi Katara. Uma curta viagem de metro e saio para uma cidade que ainda dorme. Um ou outro trabalhador desloca-se para pegar no seu turno. Há um ambiente de Domingo (mera coincidência, não existem Domingos como os concebemos em países muçulmanos, claro).


Sinto-me infinitamente bem. O céu azul e a brisa fresca do mar são bálsamos para a minha alma amachucada de semanas no Bangladesh e no Paquistão. Aqui posso descontrair. Não há problemas. Eu sei que pode soar entediante para os mais aventureiros. Se calhar é da idade, mas preciso de momentos destes, quando o viajar se faz sem trepidações, sem vibrações e engasgos. Gosto de deslizar sem percalços, poder-me focar na descoberta e não na resolução de problemas ao virar de cada hora.

Katara fica junto ao mar. O Azul cerca-me. Vem do céu mas também da linha do horizonte. Aqui vejo muita coisa bonita. Arte mural, estatuária e lagos. Uma praia e uma das mesquitas mais lindas que encontrei. Torres de pombos históricas e o mar, de novo, sempre presente. O luxo das arábias em centros comerciais dormentes que parecem saídos de uma das histórias das mil e uma noites mas que são novos, construídos para renovar a ilusão do antigo.

Tiro fotografias como se não houvesse amanhã. Os meus sentidos estão inebriados. A beleza rodeia-me, cheguei à capital da estética.

Ando um pouco. Com o passar do tempo já há mais pessoas por ali, mas a modorra da manhã mantém-se.

Sou surpreendido com o insólito: dezenas de falcões encapuzados estão no relvado, cada um no seu poleiro, supervisionados por um qatari mais interessado no que se passa nas suas redes sociais. Faz sentido. Ali mesmo ao lado é o centro nacional de falcoaria. Resta dizer que esta arte é de grande importância no Qatar. Existe um hospital só para falcões de dimensões e modernidade equivalente às melhores clínicas para humanos.

A arquitectura do Centro é por si um marco. As portas estão abertas. Entro, a medo. Não vejo ninguém. Parece um local fantasma. Estou ali uns segundos e retiro-me.

A visita a Katara está concluída. Regresso ao metro. Uma viagem até às Katara Towers, um edifício de arquitetura fabulosa que apesar do nome não fica junto a Katara. A estação de metro mais próxima é Marina. Um breve caminhar e aproximo-me do impressionante edifício. Mais umas dezenas de clicks na minha Fuji XT30. Perspectivas gerais e pormenores. Caminho em redor da estrutura, o que leva algum tempo pois as dimensões são consideráveis.

O mar está mesmo ali ao lado. É um passeio tipo marina, mas sem marina. Há abrigos com sombra, bancos. Algumas pessoas fazem desporto. Continua a haver pouca gente à vista.

O que avisto é a marina. Estava escondida na ponta das Torres. Atravesso um parque cheio das mais originais e interessantes “roulottes” de comes e bebes. Variedade e originalidade sem fim. Preços aceitáveis. Alguns dos negócios já estão abertos mas não há clientela. Regresso ao metro para mais um troço.

Vou agora ver o estádio Lusail. Pode não ser o mais original dos estádios construídos para o Mundial de 2022 mas, com quase 90 mil lugares, é o maior e o foi o escolhido para a final entre a França e a Argentina.

Infelizmente há um perímetro que impede uma aproximação ao estádio. Só se pode ver de longe. Foi um pouco decepcionante mas mesmo assim uma visita interessante.

E agora mais uma corridinha de metro, mesmo até à minha estação, para ver o Museu Nacional. O custo do bilhete é um absurdo e não visitarei por dentro. Mas o que se pode ver sem bilhete é suficiente para me saciar. Mais uma vez a arquitectura. Fabulosa. Leigo como sou digo com alguma vergonha que me faz lembrar o Centro Cultural Heydar Aliyev em Baku.

Mais umas dezenas largas de fotografias. E depois descubro que a parte onde se encontra o centro do centro histórico de Doha, a semente original, pode ser visitada gratuitamente. O palácio do Sheikh Abdulla bin Jassim Al-Thani é composto por uma série de edíficios, cada um deles albergando uma pequena exposição.

Seguiu-se a visita ao souk Wakif, a zona antiga de Doha, pequena, mágica, exótica. Fui de metro, podia ter caminhado, como fiz noutras ocasiões.

Sempre pensei no Qatar como uma cidade moderna, um mundo dos petrodólares, sem história nem tradição. O Souk Wakif mostrou-me algo diferente. Caminhar pela principal rua da zona é uma viagem ao passado, uma imersão no imaginário de Tintim. Sim, há restaurantes para turistas, e sim, claro, há turistas. Mas não são dominantes. A tradição é-o.

É uma área imensamente fotogénica, com velhas mesquitas e edifícios que parecem saídos de um filme de Lawrence das Arábias. O mar não está longe. Há lojas de antiguidades e depois, para trás desta via principal, o comércio tradicional, sem laivos de luxos. É ali, podia ser numa pequena cidade do Curdistão. Homens de lenços árabes fazem as suas compras. Vêem-se mulheres de face coberta. Surpreendentemente este mercado obsoleto é muito popular entre os qataris.


Chego a um canto onde são animais os produtos. O amor pelos pássaros é comum, e vendem-se aqui exemplares canores de espécies sem fim.

Acabo por deixar o mercado para trás. Descubro outro ponto fascinante, dedicado à falcoaria. Mas é hora de rezar, as ruas esvaziam-se, fico só eu e um ou outro descrente. Há uma rua inteira, coberta, com prédios antigos mas anormalmente altos, onde se vendem e compram falcões e tudo o que se possa imaginar relacionado com estes animais. E depois o tal hospital. Fico sem palavras.

Vou desembocar numa pitoresca praceta, com edifícios muito antigos, um ambiente de outros tempos. Os velhotes, vizinhança antiga, olham-me, curiosos.

Prossigo. Está agora bastante calor, mas estou demasiado entusiasmado para me render. O meu objectivo seguinte são os museus Msheireb. Quatro museus de visita livre, fruto de um rico qatari cuja família possui o imobiliário. Cada qual dedicado a um tema diferente. O primeiro aborda a questão da escravatura no Golfo e a sua ligação com o comércio de pérolas. Convenientemente, pois encontra-se na antiga casa de um dos maiores empresários desses negócios.

Visito os outros três, mas já estou cansado. Afinal estou activo desde muito cedo e as temperaturas elevadas desgastam o meu pobre e velho corpo cansado.

Deu-me a fome. Quero ir a um lugar mítico ali para os lados do souq Wakif. Basicamente um restaurante de rua. Os clientes distribuem-se por mesas corridas, partilhando o espaço sempre que a apertada etiqueta islâmica o permita. Vai-se ao patrão, que está à caixa, e faz-se a encomenda. A comida aparecerá à nossa frente. Já foi tremendamente barato. Mas a fama e, raios, afinal de conta estamos no Qatar, a conjuntura económica fizeram os preços subirem para níveis, digamos, normais.



 

Vim aqui uma outra vez. Ou duas. Mas para já fiquei-me por um belo humus. Que delícia! Saí saciado e com forças retemperadas, pronto para assistir ao pôr-do-sol. E onde? Do lado de lá do porto tradicional onde se juntam os dhow, uns usados para visitas turísticas, outros de forma conservadora, para pesca e comércio. Fabuloso como até aqui dois mundos tão diferentes se unem.

E lá vi o sol ir dormir, com a linha do céu da moderna Doha ao longe, casais apaixonados e grupos de amigos, residentes estrangeiros e trabalhadores pobres.

Caminhei até ao hotel. Ainda foram uns 3 km’s mas não consegui resistir. A esta hora o calor vai-se dissipando e a energia nas ruas redobra. Passo por um quarteirão cheio de filipinos. É a sua área. Há lojas filipinas para tudo. Ambiente fantástico, muita vida, muita cor, muita dinâmica. Parei num supermercado, comprei abastecimentos, voltei ao hotel e renovei a minha estadia para o dia seguinte. O quarto já não cheirava a tabaco.

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