Ao sair do comboio naquela manhã, senti que o pior da gripe tinha passado. A noite foi mal passada, mas, mesmo assim, dormi. Não me sentia especialmente sonolento e o nível de energia era aceitável. Cá fora negociámos com um condutor de “táxi” (e as aspas são porque o carro não tinha qualquer marca de ser um táxi) que nos levou ao hostel por uma quantia razoável (50.000 VDN) mas que, como percebi mais tarde, seria ainda menos se tivesse escolhido um táxi a sério.
Fomos muito bem recebidos no Tigon Hostel. Muito bem mesmo. Quando disse à menina simpática que estávamos com gripe, ainda mais. Veio logo um cházinho quente, muitas desculpas por o quarto ainda não estar pronto (não tinha nada que estar, era cedissimo) e evidentes esforços redobrados para que o processo fosse acelarado. Pediu-nos para nos sentarmos um bocado e, de facto, passado um pouco, veio-nos chamar para nos conduzir aos aposentos. Mais um hostel com nível de hotel. 10 Eur por um quarto duplo. Pequeno-almoço incluido e um quarto que não tem nada de “espelunca”. O único senão foi um nível de ruído um pouco acima do desejado, quer no exterior quer no interior.
No percurso para o hostel, pela janela do carro, tinha visto uma mão cheia de coisas com interesse, tomei notas mentais: esculturas no longo parque que se estende ao longo do rio, um monumento comunista junto ao que parece ser uma escola, barcos tradicionais sulcando as águas do rio Perfume. Mas agora, naquele quarto de hostel, sentia-me dividido entre o mal-estar gripal que me empurrava para a cama e a vontade de explorar a cidade (Artigo Wikipedia para Hue; Artigo Wikitravel para Hue) e, sobretudo, a sua famosa cidadela imperial, classificada pela UNESCO como Património Mundial. Acabei por encontrar um consenso… descansar um pouco e depois sair.
Na ida encontrei um bar-restaurante com um menu e preços agradáveis, claramente para turistas, a fazer lembrar as tocas de ingleses em Vilamoura em Albufeira, mas apesar disso, sentia necessidade de um pouco de “Europeidade” neste dia e pensei que mais logo comeria ali qualquer coisa.
Caminhei na direcção da cidadela, passei pelo parque junto ao Perfume. Não há por ali muita gente. Mas vêem-se barcos a navegar e muitos mais acostados. Atento nas esculturas que tinha visto de dentro do táxi. Arte moderna, interessante. Sou abordado uma série de vezes com propostas de passeios no rio. Noto que as pessoas aqui são diferentes das de Hanoi. Há um provincianismo subjacente em Hue que, apesar de ser uma pequena metrópole de 340.000 habitantes, tem um sabor rural intenso. As faces que observo são mais rudes, vá, boçais, e no vestir vejo diferenças claras, com uma forma descuidada ou pobre a substituir o gosto cosmopolita da capital. O que não muda é o mar envolvente de motorizadas.
Atravesso o rio usando a primeira ponte que encontro. Do outro lado a cidade continua. Passo por uma zona onde há vendedores de rua e lojas dedicadas a um hobby comum: animais domésticos. Parece que a aquariofilia é muito popular em Hue. Continuo a dirigir-me à cidadela, interpelado agora por sucessivos condutores de rickshaw que me propõem negócio de forma insistente. É, numa palavra, chato. Começo a sentir fome e logo à frente encontro a solução para o problema: compro um ananás devidamente arranjado. É mais caro que em Bangkok, mas não me sinto ultrajado como nas áreas turísticas de Hanoi. Sabe-me imensamente bem, era mesmo o que me apetecia.
Passo pelo museu da cidade, facilmente identificável pela exposição exterior, pejada de despojos da Guerra do Vietname. É preciso mencionar que Hue foi palco dos mais intensos confrontos durante a famosa ofensiva do Tet, em 1968. A Batalha de Hue iniciou-se a 31 de Janeiro de 1968 e, no final, resultou na derrota dos atacantes, muitos deles vindos do Norte. Nas muralhas da cidadela há marcas desses confrontos mas apenas o observador mais atento reparará nesses traços. Por detrás do museu existe uma linha de casas, pintadas de amarelo ocre, a fazer lembrar tempos ainda mais idos, os do ocupante francês e o seu estilo colonial de arquitectura, aqui enriquedio com uma fileira de altos coqueiros.
Chego a um dos portões da cidadela. Ooops. Não, por ali é só para sair. Ou para quem já tem bilhete (sugestão: se visitar Hue com mais pessoas e não tiver pruridos morais, pode partilhar o mesmo bilhete, passando-o a outrém quando acabar de explorar a cidadela). O guarda indica-me a direcção correcta. Lá dou a volta e encontro a entrada principal. 1015 VND. Cerca de 3,50 Eur. Caro para os padrões vietnamitas mas muito barato considerando as dimensões do que se vai visitar e o seu estatuto histórico. Gostei logo do lago sobre o qual passa a ponte que dá acesso à área interior da cidadela. Nenúfares e peixinhos. Bonito.
Lá dentro… pronto… enfim… não me encantou. Mais um dia de céu cinzento, que ali, na cidadela de Hue, se revela muito prejudicial. Muito do encanto daquele espaço reside nas cores, que são asfixiadas pela luz difusa que passa através das núvens. Há dourados e encarnados que perdem a personalidade, privados de raios de sol. E depois, é um local cheio de histórias mas daquelas que não me dizem muito. De factos, de reis e imperadores, conquistas e marcos temporais. Ideal para os entusiastas da História factual, mas algo estéril para o meu gosto. Mas atenção, mesmo assim não considerei tempo perdido. Talvez tenha ficado um pouco desapontado mas não me arrependo desta visita, nem, de forma geral, da passagem por Hue. Tanto mais não seja, porque é um excelente ponto para uma pausa na longa viagem de Norte para Sul (ou vice-versa) do Vietnam. Já agora, Hue pode ser uma base para explorar locais signicativos da Guerra do Vietnam. A fronteira original que separava o Vietname do Norte e o Vietname do Sul não passava muito longe daqui, um pouco para norte. E há passeios de dia inteiro que se fazem, mostrando pontos determinantes, como a famosa base de apoio de fogo de Khe Sanh, palco de uma violenta batalha em 1968. Está aqui um belo artigo sobre os passeios na DMZ (Demilitarized Zone) e um artigo na Wikitravel. Quanto às tours, acabei por não as fazer, depois de muita hesitação. Não me cheirou. Mas se houver interesse, parece que estas são as mais recomendadas, as providenciadas pelo DMZ Cafe.
Passeio pela cidadela, calmamente. Percorro-a completamente, e depois vou saindo. Já na periferia, sem o esperar, entro num edíficio e maravilho-me: é o antigo teatro imperial, ricamente decorado e ainda usado para “performances“. E vou-me embora, saindo pelo portão onde inicialmente me tinha sido negada entrada. Faço o caminho inverso rumo ao hostel. É altura de descansar, e mesmo assim, penso, já foi muito bom ter conseguido energia para todo aquele passeio.
O resto do dia resume-se facilmente: passado no quarto a fazer aquilo a que chamo “uma cura de águas”. Beber tanta água quanto possível criando um ciclo diurético contínuo a cujos detalhes pouparei o leitor. Descobri que por vezes permite encurtar em vários dias a duração de uma gripe e, como verei mais tarde, resultou em cheio no Vietname. No dia seguinte já me sinto quase a 100% e 48 horas depois estou totalmente operacional. Mas para já, estou naquele quarto de hostel, com uma linha de garrafas de água ao pé da cabeceira. Só me levanto para ir jantar. A esplanada está cheia de turistas. A noite é quente, tropical. Bebo um sumo e encomendo um prato de carne. É relativamente barato (cerca de 5 Eur) mas servido à francesa, com uma quantidade reduzida no prato. Sem problemas, não como muito em viagem e a refeição sabe-me bem, foi positivo.
Que jornada incrível!
Viajar dessa forma é maravilhoso!
Abraços!