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Foi mais ou menos por esta altura que me bateu: a viagem estava a chegar ao fim. Certo, ainda tinha cinco noites pela frente, quase uma semana, mas já eram as últimas gotas do sumarento fruto asiático. Neste último dia em Phnom Penh queria visitar o complexo do palácio real, um acto turístico que raramente tenho, especialmente quando implica mexer na carteira. Sabia que a entrada para visitantes abria às oito horas e o bilhete custaria cerca de7 Euros. E como o tempo ia ser pouco – era preciso fazer o checkout do hostel – assim que o relógio bateu na hora certa, lá estávamos nós, prontos para sermos os primeiros a entrar.

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Em muito boa hora decidi colocar de lado os escrúpulos de viajante fundamentalismo e dar-me a este pequeno luxo de turista, porque de facto o complexo vale a pena. Suponho que quando se pensa em Ásia, pelo menos nesta parte do continente, entre as várias coisas que nos ocorrem, estará presente uma imagem, composta por templos budistas com espectaculares elementos dourados. Dizem que o palácio principal de Bangkok é o exemplo perfeito desta visão de sonho. Mas não há dúvida que o que se vi encontrar em Phnom Penh preenche perfeitamente este capricho da nossa imaginação.

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Não irei descrever em detalhe tudo o que se pode ver no complexo; para isso estão cá os guias convencionais. Mas terei sempre que exprimir o imenso gosto que me proporcionou esta visita. Pela beleza intrínseca, pela variedade de experiências, pelo clima magnífico deste dia – céu azulão, temperatura agradável – pela forma este local me fará recordar a última grande imagem de Phnom Penh.

Pelo dinheiro que se paga, poderá ser um pouco injusto que tenha encontrado um certo número de locais usualmente acessíveis ao visitante encerrados para manutenção. Foi também um pouco desagradável sentir que a área restrita é demasiado vasta, sem necessidade. Mas as coisas são o que são e não foram estes pontos que ensombraram a manhã.

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Pelo contrário, foram horas de grande brilho. Recordarei mais nitidamente a galeria totalmente coberta de pinturas antigas, as diversas exposições temáticas abertas ao público, todas elas interessantes e sem dúvida constituindo surpresas sucessivas para quem nada esperava. Guardarei as imagens das najas que guardam as escadas de acesso, dos músicos que enchiam o espaço de melodia, do verde vivo dos relvados, das cores vivas das flores em mil canteiros, dos budas dourados escondidos em oceanos de verde tropical. Foi, enfim, o corolário de uma relação muito positiva com a capital cambodjana, que será recordada como um dos pontos altos da viagem.

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Adiei o mais que pude o fim desta visita, saboreando os últimos detalhes com a calma de quem deseja que o tempo páre ali e naquele momento. Mas o inevitável é mesmo assim e foi olhando por cima do ombro que deixei para trás este belo complexo. Passámos uma última vez por aqueles locais com os quais estabeleci uma relação tão intensa em apenas 48 horas, almoçámos no nosso apreciado restaurante do primeiro dia ao que se seguiu mais um gelado Dairy Queen, e fomos então buscar as mochilas ao hostel.

O autocarro para Siem Reap – a cidade que serve de apoio à zona de templos de Angkor Wat – sairia da estação da empresa (a abençoada Mekong Express Bus) que dista uns 2 km do centro turístico de Phnom Penh. Apanhámos um tuk-tuk, que estava já um calor dos diabos. Ainda me tinha passado pela mente a ideia de caminhar, mas não… vale a pena gastar aquela ninharia. Assim, fomos deixados mesmo à porta, sem complicações.

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E que surpresa ali estava. Um terminal onde nada faltava. Tratámos do check-in para o autocarro com uma simpática funcionária e fomos convidados a esperar – ainda faltava mais de uma hora – numa sala ampla, com ar condicionado e um bar repleto de tentações a preços muito agradáveis. A informação sobre os autocarros estava ali, nos painés, mas por via das dúvidas os “speakers” iam dando todos os detalhes. Como corolário da perfeição operacional da empresa, de cada vez que uma partida estava eminente, um funcionário percorria a sala, perguntando aqui e acolá se os passageiros se destinavam aquela cidade, com especial cuidado em abordar os estrangeiros.

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Foi uma maravilha. Bebidas geladinhas, ar condicionado, enfim, uma verdadeira surpresa. De forma que não custou nada a passar aquele tempo que faltava e logo nos chamavam para o nosso autocarro. Talvez porque tinha reservado com alguma antecedência, couberam-nos os lugares de honra, mesmo atrás do condutor, mas elevados, de forma que a vista de que usufruiamos era panorâmica. Imenso espaço para as pernas, tanto que as mochilas couberam lá juntamentos com os membros anteriores. E ainda direito a água e – pasme-se, INTERNET!

A viagem iniciou-se, com a saída da cidade a fazer-se pela extremidade oposta à da chegada. Bem melhor. Muitos detalhes pictorescos a observar, que se multiplicam à medida que entramos no espaço rural. A cidade fica para trás, mas a ocupação humana do espaço à beira da estrada é quase ininterrupta.

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Passamos por uma pequena cidade, e ali, sem explicação, aglomera-se uma multidão sem fim de raparigas. Vestidas de cores garridas, têm a cabeça coberta, de uma forma que me faz lembrar as mulheres bolivianas. Muitas estão a pé, mas pela estrada estende-se um enxame de estranhas viaturas carregadas destas jovens. Será uma festividade? A teoria ganha peso quando vejo sacos de água a voar… entre aquelas viaturas, delas para os transeuntes e vice-versa. Praxes com sabor carnavelesco. E nisto, por alguma razão que a Razão desconhece, o nosso condutor abre a porta do autocarro e logo dois sacos de água voam cá para dentro. O primeiro “explode” segundo ensivamente nos degraus de entrada mas o segundo aterra no corredor mesmo ao meu lado e apanho uma monumental molha.

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Mais tarde o meu anfitrião dir-me-á que as raparigas são trabalhadoras da indústria têxtil e que todos os dias comemoram o final de mais uma jornada fabril com aquela festa desmedida, enquanto são transportadas para as respectivas aldeias.

Mudo de lugar. Abdico da visão global da minha posição e vou lá para trás, onde encontro um vidro limpo através do qual posso fotografar. E que boa ideia. Dali irei tirar muitas imagens, tantas que me custa selecionar umas quantas para aqui apresentar. São instântaneos da vida quotidiana, fragmentos do dia daquelas gentes. Miúdos que brincam, crianças de bicicleta, homens debruçados sobre o motor de um carro, casas palafitas, vendas de beira de estrada com as suas mesas de plástico rente ao chão e as suas redes de preguiça. Mulheres que fazem as últimas compras para o jantar, delegações de aldeia do partido no poder, templos budistas, portais de entrada para comunidades mais afastadas, que se vislumbram ao fim de uma longa estrada.

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A noite começa a cair, as fotografias tornam-se mais complicadas de obter. E volto para o meu lugar à frente. Depois, o autocarro parará para que os passageiros jantem. Não gosto dos preços do restaurante. Passo. Já sigo cansado, gostava de chegar a Siem Reap.

E finalmente estamos lá. É um enorme alívio ver a face do nosso anfitrião que, tal como prometera, lá estava à espera, com um cartaz com o meu nome. Manda-nos segui-lo até ao seu carro. No meu preconceito, esperava um “chasso” e afinal a boleia processa-se num 4×4 impecável, quase novo. Chegamos à casa onde vamos ficar alojados. Wow! Que luxo! Não, a sério. Não é apenas porque de um hostel para cima não é preciso muito para se passar a considerar um luxo. É mesmo um luxo. O quarto é uma suite, a cama está coberta de pétalas de flor que emanam um perfume que enche a divisão. Há refrigerantes e água no nosso frigorifico privativo. A decoração é rica mas equilibrada, o espaço está repleto de pormenores deliciosos. A casa de banho está ao nível do resto. E o anfitrião, com a sensibilidade e a delicadeza que o caracterizam – como descobri sem cessar durantes estes três dias – deixou-nos para um merecido descanso.

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