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Nesta manhã sem a obrigação de um despertar antecipado para chegar aos templos antes das hordas, deu para descansar um pouco mais, mas apenas um pouco, que o corpo já anda habituado a acordar às mesmas horas, e assim como assim, apesar de não a horas tão radicais, o Savuth viria buscar-nos de manhã.

O plano, já se disse, seria visitar a sua aldeia de manhã, relaxar o resto do dia, e apanhar o avião para Bangkok à noite. E correu bem. Por partes…

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Os primeiros minutos do dia, passei-os a apreciar o último despertar na casa de sonho do Thony e esposa. Como sempre o anfitrião fez-me companhia. Não me lembro do que falámos, talvez dos frutos tropicais que crescem nas suas árvores, talvez dos templos, talvez das minhas impressões do Cambodja. Falámos e falámos, mas também escutámos o silêncio, e estávamos nisto quando chegou a hora combinada e saimos para a rua, para ver o bom Savuth à espera para nos levar a conhecer os seus.

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Foi estranho sair dali e tomar um percurso diferente, não virando à direita, em direcção aos templos, mas sim à esquerda, para o centro de Siem Reap. Passámos pelas partes da cidade que já conheciamos, e fomos saindo da urbe por outro lado, apreciando cada momento, no conforto divertido dos nossos lugares de tuk-tuk, de onde tudo se parece ver em primeira mão. E vimos, vimos mercados e feiras, negócios de rua, veículos garridos, pessoas nas suas vidas, edíficios modernos e antigos. Foi divertido.

Mais à frente virámos e saimos da estrada principal. Depois, novo desvio e a ruralidade fez-se anunciar. De repente tinhamos chegado. As crianças correram a receber-nos. A esposa tinha ido às compras e o Savuth convidou-nos para o seu alpendre, o espaço social nuclear da família cambodjana. A área coberta é reservada aos membros do agregado, e basicamente utilizada apenas para dormir.

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Foi debaixo daquela cobertura que Savuth nos contou, despreocudamente, a história da sua vida. Como o exército o veio buscar, ainda antes de ser adolescente, para o libertar de novo para a vida já quase a raiar a meia-idade. Começou portanto tudo tarde, e é por isso que aos 48 anos tem os miúdos todos ainda pequenos. Depois de casado ainda viveu com a esposa durante uns tempos num quarto alugado, e, na realidade, aquilo que no nosso país começa pouco depois dos 20, chegou para Savuth ao dobro dessa idade: o primeiro trabalho a sério, um lar próprio, as condições para constituir uma família que se visse.

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Mostra-nos os álbuns de fotografias. Há muitos estrangeiros neles. São pessoas que o ajudaram a ter o que tem hoje. Quase tudo foi doado por amigos feitos à força do seu sorriso gentil. A casa, a mota, o atrelado que é na realidade o tuk-tuk… o Savuth, sem o saber, é um espelho da essência do Cambodja, sempre dependente da ajuda externa, incapaz de montar a sua tábua de salvação pelos próprios meios. Tem sido essa a história na nação Khmer, desde sempre, jogando com os apoios dos vizinhos mais dinâmicos, à vez, ao que se seguiu a França, e, depois de um curto período de relativa independência e da loucura do regime de Pol Pot, o Vietname, que determina de facto o que se passa no país.

Savuth perguntou-nos se queriamos ir ao mercado. Queriamos, claro. Fez menção de se dirigir para o tuk-tuk, mas sugerimos ir a pé, e assim foi. Esta pequena expedição foi um dos momentos inesquecíveis da viagem. Que bela ideia esta de visitar a aldeia de Savuth. Com parte da sua familia caminhámos até um mercado verdadeiramente local, com um sabor único… e depois, Savuth fez toda a diferença, explicando isto e acoloutro, chamando a nossa atenção para alguns pormenores, contando estórias.

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Encontrámos a esposa dele às compras, que estava de abalada e seguiu em direcção a casa, com a motorizada carregada com os produtos adquiridos e com a outra metade da família. Experimentámos uma guloseima à base de arroz, divertimo-nos à grande. Visitámos a escola delapidada que em Portugal seria considerada nada mais do que um conjunto de edíficios devolutos.  Quando regressámos, sentimos que estava na hora de terminar a visita.

Savuth deixou-nos em Siem Reap, ainda sorrindo perante a minha t-shirt I Love Cambodia, que ao longo do dia chamou a atenção de muita gente. Aqui e acolá vi faces de apreciação e alguns comentários de apreço. O mais divertido, já para o fim do dia, veio de um homem jovem que olhou e disse: “I love Cambodia too… soooooooooo much” . Expressivo.

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Um bocado da tarde passou-se na cidade. Primeiro, uma bebida refrescante num café-restaurante numa casa de madeira. Depois, fomos aos bolos, experimentámos o Swensen’s local, sem a piada do brilharete que fizemos em Hanoi. Topámos o Savuth, a ler o jornal, abancado no seu tuk-tuk, à sombra, na companhia dos amigos. Explorámos um parque com árvores admiravelmente frondosas, junto ao palácio real local. Demos com o primeiro hotel da cidade, gigantesco, luxuoso, construido pelos franceses. E pronto, estava a chegar ao fim. Foram dias bons, muito doces, daqueles que ficam na memória. Os templos foram engraçados, uns mais fascinantes que outros, mas foi o todo que valeu… as conversas plácidas com o Sr. Thony, a casa e a amabilidade muda da esposa… o Savuth e o seu sorriso bondoso… o jardim das borboletas e a moça dos bolos, o charme inesperado da cidade, as caminhadas para casa, o conforto daquele quarto.

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Tinha fome. Na passagem, descobrimos que o Wilkomen’s de Siem Reap – uma versão local do hostel onde tinhamos ficado em Pnomh Penh era ao virar da esquina. Fomos a casa, relaxámos um pouco, e depois, hora de refeição. Bebi um par de cervejas geladinhas e deliciei-me com um hamburguer gigante. Foi um pedacinho sossegado, agradável, quase um último adeus ao Cambodja.

Depois, regressámos a casa, pela última vez. O Thony, claro, lá estava, para o que precisássemos. Tinha insistido para que ficássemos com o quarto até que horas fosse que precisássemos, mas mesmo assim tinhamos preparado as mochilas a vagado os aposentos. Olhei pela última vez aquele jardim. Foi bom.

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O Savuth apareceu à hora combinado, e seguimos por longas avenidas, asfalto sem fim, durante um bom bocado, até ao aeroporto. Já era noite cerrada. Tinhamos ainda bastante tempo pela frente. Despedimo-nos dele com um abraço e andámos por ali a procurar paciência para partilhar o espaço com uma multidão de turistas sul-coreanos mal educados e barulhentos. De volta a Bangkok. O “quarto” para a noite já o tinhamos experimentado. No dia seguinte seguiriamos para o centro, para o nosso fiel hostel de que tanto gostámos nos primeiros dias desta viagem.

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