Quem bem que se dormiu nesta noite. Um quarto interior é geralmente considerado uma espécie de patinho feio do alojamento mas a verdade é que ali não chegam muitos ruídos. Só houve que encontrar o balanço térmico ideal entre a acção do ar condicionado e o natural calor que se sentia.

Vou dar um passeio matinal antes de sair para Santiago. É cedo, a cidade ainda acorda, mas uma coisa é certa: na República Dominicana a vida começa com o raiar do sol.

Pela manhãzinha uma dominicana faz o seu exercício no malecon de Santo Domingo

É Sexta-feira mas trata-se de um feriado. Segunda-feira também o será. Vive-se um fim-de-semana super prolongado, a cidade esvaziou-se, os dominicanos foram para fora, para as praias, os que podem, ou para as suas vilas e aldeias de origem, os outros.

As ruas estão desertas. Vou caminhando e apreciando a arquitectura colonial. Afinal, estou na chamada Zona Colonial, o centro histórico da cidade, classificada como Património Mundial da Humanidade pela UNESCO.

Um dos fortes que defendiam Santo Domingo

Reparo que por aqui as bougainvillias são muito populares e crescem lindíssimas. Vejo igrejas novas, encontro a minha primeira geocache na República Dominicana, descubro ruas por onde ainda não tinha passado.

Está um dia agradável, céu azul e, pela manhã, temperatura amena. Os cidadãos vão aparecendo. Junto a uma igreja há grande actividade. Deve ser um feriado religioso. Parece ser a única coisa a acontecer em toda uma cidade. Há polícia e uma pequena multidão, as pessoas quase todas trajadas a rigor.

A caminho da igreja

Fico por ali um pouco a sentir o ambiente e prossigo, por uma rua que sobe, ladeada de casas muito bonitas. No seu topo vou encontrar umas ruínas de um antigo mosteiro. Infelizmente não se pode entrar. Na escadaria principal, uma fileira de garrafas de cerveja vazias testemunha um serão animado.

Encontro outras ruínas, desta vez as de um antigo hospital, aliás, tão antigo que é considerado o primeiro das Américas. Entra-se por um parque de estacionamento. No local uma família tira fotos. Exploro o que resta do hospital de São Bari, o que não é muito.

No Museu da Polícia Nacional

Numa esquina chama-me a atenção um velho “carocha”, um carro da polícia que se encontra no interior do edifício. Sucede que é o museu da polícia nacional, e um guarda de serviço convida-me a entrar, apesar de serem 8 da manhã de um feriado. O museu não é muito rico, mas é gratuito.

Passando pela calle Conde, a principal rua, pedestre, do centro de Santo Domingo, tomo noto das condições para fazer o teste COVID-19 de que necessitarei para regressar a Portugal. Trazer passaporte, 25 USD, resultados impressos em espanhol e inglês em menos de meia-hora. Parece-me bem.

Uma bonita rua de Santo Domingo

 

Regresso à casa de hóspedes, peço uma faca à senhora para cortar a melancia que tinha comprado na véspera, ela traz-me um prato amplo e a tal faca. Tomo o pequeno-almoço no quarto, acabo de preparar a mochila, saio. São 10:30.

Chamo um Uber para me levar à estação da Caribe Tours, talvez a principal operadora de autocarros do país. A viagem é curta e agradável, o condutor é um jovem venezuelano com quem converso ao longo de todo o caminho.

As ruínas do primeiro hospital das Américas

A estação é funcional. Não posso dizer que estivesse deserta. Não estava. Muitas pessoas entravam, saíam e cirandavam, mas comprei o bilhete para Santiago em três tempos. Teoricamente seria necessário apresentar certificado de vacinação para a COVID-19, o que é reforçado por um papel colocado na bilheteira. Mas ninguém pede tal coisa.

Depois foi esperar. Subi à cafetaria, tomei algumas notas no meu Moleskine, que a memória já não é o que era e haveria de escrever estas linhas mais tarde.

A viagem foi fascinante. Um lugar à janela é “obrigatório”. A paisagem natural e humana não pára de surpreender. Desfilam aldeias e casas isoladas, campos de arroz e palmeiras, motas carregadas de pessoas, pequenos negócios de beira de estrada, venda de produtos exóticos, montanhas e planícies, selvas densas. Vi mais variedade nesta pequena viagem num país minúsculo do que em seis semanas pelas estradas do México.

Uma casa de Santiago de los Caballeros

Cheguei a Santiago relativamente tarde. Fiquei no Hostal Alegria que não recomendo de forma alguma. Checkin caótico e pouco simpático, quarto limpo mas com muito barulho até bem à noite. Há opções melhores na cidade.

Refresquei-me um pouco com o ar condicionado e saí para a rua. Percorri o centro, fui à praça principal. Não me cativou. Como em Santo Domingo as ruas estão desertas. Está tudo fechado. Não sei o que fazer. Ando um pouco por ali, consulto o Google Maps. OK, vou ao Monumento.

Monumento a los Héroes de la Restauración

O Monumento a los Héroes de la Restauración tem ares de farol. É, de longe, a principal atracção turística da cidade. Alguns dirão que é mesmo a única. Felizmente pode-se caminhar confortavelmente até lá a partir do centro. Tal como aconteceu em Santo Domingo passo junto a uma igreja que parece atrair todas as almas vivas da cidade. Uma densa multidão aglomera-se em seu redor, o interior está completamente cheio, não cabe mais ninguém. Nas imediações os vendedores de rua ganham o dia. Mas não é ali que me dirigo.

Continuo a subir a rua, passo por uma área com muitos cafés e bares que parecem estar a começar a preparar-se para o negócio e logo chego à base de umas escadas que levam quem vem do centro até ao monumento.

Estatuária no exterior do Monumento.

Trepo os degraus. O ambiente ali está interessante. Muita gente que usou o feriado para visitar, um vibe local intenso. Compro o bilhete – como todos na República Dominicana a um preço simbólico – e subo as escadas em caracol que levam até à plataforma panorâmica. Até lá existem, penso, quatro pisos, e em cada um deles se encontra uma pequena exposição. Ou seja, o monumento é também um  museu de história, focado no papel de Santiago de los Caballeros no processo de independência nacional.

Como seria de esperar as vistas de lá de cima são excelentes. Vê-se toda a cidade e os campos em redor numa extensão a perder de vista. Nota curiosa: os dominicanos fizeram tudo para o esquecer, mas é bom referir que este monumento foi construído pelo ditador Trujillo, que se diz ter sido o mais sanguinário de toda a América Latina, para se homenagear a si próprio. Isto aconteceu em 1944.

Bem, já não havia muito mais a fazer. Fui descendo, nas calmas. Já tinha decidido que Santiago, não sendo de todo desagradável, não teria muito para me oferecer. Partiria no dia seguinte.

Os dominicanos gostam de viver a vida. Uma cerveja ao fim do dia entre amigos ou família é comum.

Agora, merecia uma boa cerveja fresca. A música de volume elevado parecia chamar por mim. Um ambiente local, jovial, descontraído era tudo o que precisava, e aquele bar com umas poucas mesas rasteiras de plástico pareceu-me ideal.

Pagueio os 200 DOP pela garrafa de 630 ml, gelada como só se encontra na República Dominicana (parece um milagre, este culto de manter as bebidas num ponto ideal antes do início do processo de congelação). Sento-me e deixo-me estar, feliz, a observar as pessoas. Grande ambiente. Ainda penso em pedir outra, mas acabo por não o fazer.

Regresso ao quarto, numa cidade que já vai escurecendo, com as luzes a acender e as últimas pessoas a voltarem a casa.

Cai a noite em Santiago de los Caballeros

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