Riaan Manser, um jovem sul-africano, decidiu dar à volta ao seu continente numa bicicleta. E assim o fez, tendo nascido este livro como fruto da odisseia que viveu. Foram três anos, muitos milhares de quilómetros, aventuras sem fim, experiências fabulosas. Premissas douradas para um livro de viagens. Mas…
Na realidade existem uma série de “mas”. O primeiro será o volume do livro. 700 páginas é obra. Sim, é verdade, três anos é muito tempo. Mas mesmo assim, sete centenas de páginas é um pouco demais, até porque se torna claro as que estão a mais. Há demasiadas referências publicitárias à legião de patrocinadores da aventura e muita queixa. Riaan, como qualquer filho dessa entidade cultural a que chamamos de anglo-saxónicos, tem muita dificuldade em lidar com um mundo humano diferente do que lhe é familiar. E o somatório das frustrações provocadas pela descoberta de outras formas de estar e de fazer as coisas origina páginas e páginas desnecessárias.
O segundo “mas” é o próprio autor. Não a sua escrita mas ele próprio. A sua personalidade narcisista, a sua falta de lealdade a valores éticos universais (e que tal contar detalhadamente no livro a ajuda que alguém lhe prestou contra as regras locais pedindo-lhe explicitamente para que ficasse apenas entre eles….?), a sua arrogância anglo-saxónica, a sua presunção de quem tem direito a todo o apoio e admiração por onde quer que passe. E a sua falta de senso comum, a que sobrevive através de uma sucessão de golpes de sorte que farão dele um dos homens mais sortudos de que já ouvi falar. Não posso esconder isto: é uma personagem que me perturba, e não propriamente de uma forma positiva.
O terceiro “mas” é a minimização do que poderia ser interessante: África torna-se mais uma pista de bicicleta para a sua prova privada do que o cenário de uma aprendizagem sobre o mundo envolvente. Riaan está obcecado com o auto-lançado desafio e o seu interesse pela viagem enquanto tal é residual. O livro, claro, é um espelho dessa atitude e os que procuram uma fascinante aventura sobre as gentes africanas, sobre os sistemas sociais e políticos, sobre as vivências de um estrangeiro por estas terras, podem esquecer. A tempos há algum sumo, mas é pouco para tanta página.
Chegado ao fim, fica um balanço precário: pela negativa, tudo o que já foi escrito; pela positiva… bem, é mesmo assim uma viagem monumental, e uma boa parte do livro lê-se com gosto.