Ryszard Kapuscinski, um jornalista polaco, viveu durante boa parte da segunda metade do século XX em África. O seu trabalho levou-o aos quatro cantos deste continente. Viveu as mais espantosas aventuras, passou por momentos tocantes, por riscos incalculáveis. E um pouco de tudo isto ficou registado neste seu The Shadow of the Sun. O livro é mesmo isso, uma manta de retalhos, uma colecção de crónicas que se movimentam no tempo e no espaço, cobrindo temas tão amplos como a euforia das primeiras independências como os dias negros das chacinas do Ruanda.
A prosa de Ryszard Kapuscinski é poderosa, agarra, fascina. Mas os conteúdos, brilhantes à primeira vista, carecem de um olhar mais atento. Primeiro, é preciso não esquecer que o autor nasceu e foi educado numa Polónia sob um regime comunista, fortemente propagandistico e manipulador. Neste contexto sente-se a influência de um anti-colonialismo obsessivo, pouco reflexivo, inculcado. A tónica dominante é a da absolvição dos africanos de tudo o que vai mal no seu continente; a culpa de tudo, seja lá do que for, é dos brancos, colonialistas e imperialistas. Não funciona bem.
Senti sempre faltar ao autor um enquadramento mais adequado, que lhe permitisse compreender a África que tanto ama com bases mais sólidas, que, mesmo fazendo uso da sua sensibilidade e da aquisição cognitiva sensorial, pudessem resultar numa visão mais fundamentada.
Gostei de ler o livro mas, por assim dizer, a partir de determinado ponto o autor perdeu a minha confiança. Detectado aqui e acolá incongruências factuais e falhas na coerência do discurso, tornei-me um leitor desconfiado, dei por mim a colocar em causa toda a narrativa. E não terei sido o único. John Ryle escreveu uma excelente crítica onde desmonta uma série de erros mais ou menos graves cometidos nesta obra.
Em suma, imagino o leitor de volta das páginas deste The Shadow of the Sun junto a uma fogueira de praia com o som das cigarras como fundo. É este o quadro perfeito para abordar este livro, com o gosto da leitura pela leitura, não esquecendo a prudência crítica em relação às “informações” encontradas nas suas páginas. Que se leia como uma poesia feita em prosa, porque as linhas de Ryszard Kapuscinski têm esse poder, mas cautela, que não se dê muito crédito às estórias que certamente são fascinantes.