Tinha chegado ao Japão no dia anterior e ainda sem saber o que esperar deste misterioso país o meu anfitrião traz-me aqui, logo pela manhã. Foi brutal.

O templo Otagi Nenbutsu-ji fica próximo de Arashiyama, nos arredores de Kyoto, e naquela manhã gelada de Janeiro fez-me uma proposta irrecusável: casar o meu imaginário com o Japão real.

Era mesmo aquilo que sempre pensei que o Japão devia ser mas que lá no fundo acreditava já ter deixado de existir. Começou com a simpatia do funcionário que à entrada vendeu os bilhetes. Uma cortesia como só um japonês consegue praticar.

Depois, a tranquilidade, a magia, o misticismo. E o mistério daqueles detalhes de culto, desconhecidos para mim mas com um significado de importância adivinhada. O dia contribuía para o ambiente, cinzento, nebuloso.

Observo os rakan, as pequenas estatuetas que representam os discípulos de Buda. Em Otagi Nenbutsu-ji são cerca de 1200, com uma particularidade: foram criadas pelos crentes, sob a orientação dos monges. Desta forma cada uma é ainda mais única, criada por mãos diferentes. Algumas têm mesmo um toque de humor, outras revelam uma veia artística, enquanto a maioria é mais convencional, aderindo ao padrão dos rakan de outros templos.

Saboreei aquele momento com a solenidade que o local merece. Com passos lentos e olhar atento. Sentidos alerta, captando as nuances de luz e cor, os aromas que se soltavam da vegetação húmida e os sons produzidos pelo vento que passava pelos galhos secos das árvores, causando um silvo que substituía o cantar dos pássaros que por aqui andarão em breve, quando chegar a Primavera.

Soube mais tarde que este templo tem sofrido uma série de revezes ao longo do tempo. Foi criado em 770, mas num outro local, Higashiyama. Má escolha. O rio Kamo-gawa transbordou e arrastou-o completamente com as suas águas. 

Entre os finais do século VIII e XII o templo esteve instalado numa área a nordeste de Kyoto, mas o correr dos tempos desgastou-o gradualmente e no início do século XX já pouco restava do seu anterior esplendor.

Em 1922 decidiu-se mover o templo para a sua actual localização. Mas a má sorte perseguiu-o até aqui: em 1950 um tufão destruiu-o.

O que hoje podemos ver deve-se em muito a um monge. Em 1955 Kocho Nishimura assumiu a responsabilidade de salvar Otagi Nenbutsu-ji. E conseguiu-o. Foi sob a sua orientação que as pessoas começaram a criar os rakan pelos quais hoje é famoso. 

O local é especialmente adequado para aqueles que, como eu, procuram evitar as multidões e os pontos turísticos. Kyoto é uma cidade muito procurada pelos visitantes estrangeiros, mas poucos chegam até ao Otagi Nenbutsu-ji, devido à sua posição mais discreta e afastada dos grandes centros de interesse da cidade. Aconselho a uma visita logo pela manhã, o que será garantia quase certa de ter o local apenas para si.

O templo abre as suas portas aos convidados pelas oito horas e o bilhete custa 300 Yen. Poderá vir a pé deste o rio, mas é um longo passeio. Pode apanhar um autocarro (64, 74, 84, 94) e sair na paragem Otagi Dera Mae.

Se quiser pode visitar o website oficial do templo, que tem uma versão em inglês.

 

 

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