1 de Abril – Milão
Havia muitos planos para hoje, mas com metade da expedição a partir num avião ao início da noite a prudência imperou e optou-se por uma volta local. Pensou-se em ir até Monza, uma bela cidadezinha quase ao alcançe da mão a partir de Milão, famosa pelo seu autódromo, mas cheio de encantos próprios. A viagem é rápida. Cerca de vinte minutos de comboio. E ainda para mais, a estação que serve essa linha fica mesmo ao pé do nosso outro objectivo para o dia. Só que a pressão psicológica de ter um avião para apanhar não permitiu que esse projecto avançasse. Ficou então a versão simplificada: o Cemitério Monumental.
Apesar de ser apreciador da tranquilidade que se sente num cemitério, e de procurar sempre visitar as pérolas locais quando viajo, nem me ocorreu procurar um destes locais em Milão: no Sul da Europa não costumam ser especialmente bonitos. Mas depois de ver umas fotografias do local fiquei tentado, e ainda bem. Hoje, para variar, a deslocação fez-se de eléctrico. Chega de estafas. É altura desde pequeno luxo.
É Domingo de manhã a cidade está adormecida. Encontramos a paragem certa, e pouco depois surge o eléctrico. É diferente, ver as ruas em movimento. Passamos por artérias até então desconhecidas. Acabamos por sair um bom bocado antes, para explorar aquela parte da cidade. Revela-se uma excelente opção, porque a manhã convida ao passeio. Está sol e uma temperatura agradável, algo que mudará rapidamente, com a chegada de um vento frio e um tapete de nuvens que traz a sombra total. Mas para já Milão está encantadora.
Passamos pelo nosso objectivo secundário para hoje, recomendado pelo Leo: e não é que Milão tem uma “chinatown”? Pronto, não é assim nada do que estão a pensar, como a famosa de Nova Iorque. Mas que há um bairro onde há chineses por todo o lado, lá isso é verdade. E lojas deles, de todos os tipos. Muitos restaurantes, mercearias. Talvez o ambiente seja quebrado pelas fachadas clássicas dos edíficios, pois a comunidade chinesa instalou-se numa zona antiga da cidade.
Depois de muito andar, de ver um misterioso terminal ferroviário num sítio sem vestígio de carris, um carro de fórmula 1 que foi conduzido por Ayrton Sena da Silva, personagens bizarros, fachadas grandiosas, palácios e muito mais, chegamos ao cemitério. A entrada é logo monumental, a fazer jus ao nome. Depois, foi mais de uma hora de fascínio, a explorar os recantos, cheios de surpresas. Impressionaram as fotografias dos defuntos, escolhidas nos seus melhores momentos, cheios de alegria, como que a mostrar como os vindouros os deverão recordar. Muitas tombas são antigas. De antes do século XX. Há nomes alemães por ali, sinal dos tempos em que o Império Austro-Húngaro espalhava a sua influência por estas paragens.
Como as palavras serão sempre curtas para descrever as maravilhas que se encerram por detrás dos muros do Cemitério Monumental, deixo uma galeria completa dedicada ao local. E mesmo assim foi díficil escolher as melhores fotografias, de tantas que foram tiradas, todas igualmente fascinantes.
Tinhamos combinado com o Leo estar em casa às 5 horas. Porque temos a chave do apartamento mas não do portão de acesso. Mas o malandro não responde à campainha. Deve estar ainda a dormir. Ele trabalha durante a noite, tem um ciclo biológico invertido, mas já costuma estar a pé a estas horas. Com a hora do avião a aproximar-se temos que tocar para o vizinho do lado e explicar que somos os amigos do Andreas. E a coisa soluciona-se. E pronto. Sem chave sou prisioneiro. Fico em casa, as horas a passar, e eu a descansar. Lá para as oito o Leo acorda, falamos brevemente e ele sai, para a sua vida. É assim que acabam os dias de Milão, porque no dia seguinte pela manhã será a minha vez de me dirigir ao aeroporto, de onde voarei para Praga, para duas semanas na cidade da minha vida.