Existia aqui este pequeno país por visitar. O único na Europa – excluindo os micro-Estados – por onde não tinha ainda passado. A vontade não tinha sido muita e continuava sem o ser. Há dois anos, quando andei ali bem perto, tinha descartado a hipótese. O Couchsurfing era complicado, os transportes de e para o aeroporto eram dúbios e por mais que procurasse não encontrava nada de atractivo naquela terra.
De nada adiantou googlar pontos de interesse, investigar as imagens disponíveis no Google Earth, procurar em blogues de viajantes. Só encontrei praias e zonas turísticas com ares de Quarteira e Albufeira, um tipo de local de que prefiro manter distância. E foi portanto com as expectativas muito baixas que marquei uma pequena deslocação ao Chipre no contexto desa viagem. Duas noites apenas. Três dias completos. E talvez o factor decisivo para avançar com a compra dos voos tenha sido a resposta positiva do primeiro couchsurfer que contactei.
O dia começou na véspera. Envolvia uma dormida no aeroporto Sabiha Gogkcen, um lar que já conhecia bem de outras andanças e que calha a ser, assim de repente, o melhor aeroporto para pernoitar. Os bancos longos e almofadados em frente ao Burger King oferecem uma cama para a noite, complementada por uma mesa que se poderá usar até à hora de fechar os olhinhos. É relativamente silencioso, bem climatizado, com lojas abertas toda a noite e umas casas de banho nas proximidades.
Não deu para dormir muito porque o voo não era apenas cedo. Era brutalmente cedo. Às 5:50! Portanto, no total, terei conseguido descansar a sério apenas um par de horas. Se tanto. Mas adiante. Neste ponto da narrativa vou fazer um fast forward. Apanhou-se o avião, chegou-se a Lefkosa (ou Nicosia, na versão grega e em português) e depois autocarro para a cidade. O autocarro entre o aeroporto Ercan e a estação de autocarros custa 10 TL (cerca de 3 Eur) e sai a horas estabelecidas pela empresa estatal que assegura esta ligação. Por vezes não são as horas mais espertas, mas no caso serviu perfeitamente. Foi tratar das formalidades, sair para o exterior do terminal, perguntar onde eram os autocarros, chegar lá, comprar bilhete e seguir.
Depois disto tudo era, mesmo assim, bastante cedo. A cidade ainda estava a acordar, o trânsito era irrelevante aquela hora. Num instante chegámos à estação de autocarros de Lefkosa, na companhia de uma trupe de apoiantes da selecção da Bósnia-Herzegovina que ia defrontar o Chipre nesse noite (ganharam, 1-2). Pensava que ia ficar mais perto do centro. Mas não, aquela era mesmo a última paragem.
A caminhada para o ponto de encontro combinado foi descontraída. Tínhamos tanto tempo… e afinal de contas 2 km não são nada. Não fazia calor nem, já agora, frio. Nem chovia. O único problema é que havia muito tempo para matar e poucas ideias.
Lá se chegou às portas da cidade, ultrapassadas, e depois a um simpático largo com um perfume de outros tempos. Bem ou mal senti ali um paralelismo com muitas das minhas memórias de Malta, um traço indelével da presença colonial britânica no mundo Mediterrânico.
Aquela praça tinha os mesmos velhotes sentados à espera de nada, à conversa sobre os pequenos e grandes assuntos que sempre são debatidos nas manhãs ociosas da reforma.
Mais à frente descobrimos um pequeno bairro feito de ruas paralelas com uma personalidade própria. Casas iguais, como as de um bairro operário, com pequenos jardins feitos de enormes vasos colocados defronte das fachadas.
Percebemos que nos aproximamos do centro do centro quando começamos a ver lojas a abrir e preços em Euros a serem colocadas. É a zona comercial, onde se paga uma quantia injusta pelos produtos preparados para os estrangeiros que sobretudo aqui chegam vindos do outro lado, mais organizado e rico em turismo. É uma zona desagradável, faz lembrar as piores ruas das piores cidades do Algarve, com as lojas de recordações parvas, os produtos banais a preços tão absurdos que até estranho como é que mesmo os que vêm de países mais abastados lhes tocam.
Mesmo assim, até ao momento, o que vimos fora destas artérias exploradas e exploradoras é mais interessante do que esperava. Há alguma curiosidade sobre os recantos que iremos descobrir nos próximos dias.
Chegamos ao ponto de encontro com o nosso anfitrião. Trata-se do antigo Caravansaray, hoje transformado num espaço turístico com lojas de artesanato e restaurantes. Aquela hora ainda está a meio gás, a maioria dos estabelecimentos está ainda encerrada. A noite não foi exactamente bem passada e ainda faltam algum tempo para o encontro. Vou vaguear um pouco. Apenas um pouco. Mas que vai dar para me cativar mais pela cidade. Vejo a espécie de “muro de Berlim” que divide o sector turco do sector grego e mais elementos com histórias para contar. Velhas lojas, uma mesquita vazia onde me sento um pouco a absorver a quietude. Descubro o mercado, e nele um cafezinho que referencio para mais tarde regressar.
Aproxima-se a hora combinada com anfitrião, que aparece com algum atraso. Parece ser um tipo porreiro, um académico que trabalha como consultor governamental e como professor universitário, na área do ambiente e da botânica. Faz-me lembrar um antigo amigo meu, não consigo pensar nele sem me vir o outro à memória.
Conversamos um pouco, o suficiente para ele sintonizar a nossa frequência de onda. Sugere-nos irmos a casa dele comer qualquer coisa e deixar a tralha e depois visitar uma aldeia onde por acaso comprou uma propriedade recentemente. Parece um óptimo plano.
Lá vamos, no seu Ford Fiesta branco, eu, cheio de excitação, satisfeito com o andar das coisas. Isto está a correr bem! A aldeia não fica muito longe, logo chegamos. Ele diz que estamos com sorte, que está acolá o muhtar, o que é porreiro porque assim as pessoas abrem-nos as portas. Só mais tarde iria compreender o alcance desta informação.
O muhtar é o chefe da comunidade, uma espécie de presidente da junta de freguesia. Ora este muhtar calha a ser irmão do amigo do anfitrião, o Mustafá, a quem demos boleia para casa, à entrada da aldeia.
Ainda mal saímos do carro, já o muhtar pergunta – dá para perceber facilmente – de onde é que nós somos. De Portugal, responde o nosso companheiro. Excitação. Um comando gritado para dentro de casa e logo um jovem adolescente sai a correr de câmara pronta. É que somos os primeiros portugueses, é-nos explicado. A aldeia anda nas bocas do mundo, tem sido alvo de alguma atenção dos media local, e começa a atrair turistas. Este muhtar está a fazer um trabalho interessante.
Convida-nos para sua casa e escritório, sentamo-nos, é-nos servida Coca-Cola e muita coisa para ver. Antigos documentos da aldeia, espécie de forais. Recortes de jornais e fotografias de família. Imagens no Facebook e instrumentos antigos. Muito, muitíssimo interessante. Estou a vibrar. Isto é viajar e tomar o melhor que o Couchsurfing tem para oferecer. Acabámos de chegar e podemos estar ali, entre amigos. É muito especial. Mal suspeitava que o melhor ainda estava para vir.
Levantá-mo-nos para ir dar uma volta pela aldeia, e o muhtar prontifica-se a acompanhar-nos. O que se segue é fabuloso: com aqueles dois a servir de cicerones, vamos descobrindo a aldeia, as suas pequenas histórias, os detalhes escondidos. E, mais do que isso, os seus habitantes. Entramos em casa deste e daquele.
Fotografias, é à vontade. Somos apresentados a uma série de aldeões, quase todos desenvolvem uma actividade artesanal. Uma boa simbiose com o turismo de pequena escala, que até ver se mantém ali num equilíbrio brilhante. Eles sabem que não vamos comprar absolutamente nada, mas não importa, somos bem recebidos por todos. Um momento alto desta viagem. No dia seguinte já estamos online, com direito a reportagem na página Facebook do muhtar, que tem milhares de fãs.
Chegamos à mesquita, mas a religiosidade não é o forte destes muçulmanos. O muhtar está entusiasmado é com as casas de banho públicas, no recinto da mesquita. Obra do seu mandato, claro. Já está a virar as costas quando se lembra… abre a porta da mesquita enquanto diz com desdém… “ah, e a mesquita, claro”. Dizem-me que ali ninguém liga a isso. O “padre” vive ali ao lado, nas horas indicadas aparece, mas fica sozinho, passa o momento, regressa a casa.
A nossa volta leva-nos a um barracão, quer dizer, um abrigo, anexo à casa de um outro familiar. Encontramos ali o Mustafá. Sentamo-nos todos em redor de uma mesa improvisada a comer romãs. Que doce vida esta. Dizem-nos que ali fazem grandes patuscadas, eventualmente bem regadas. Levanta-se vento, a tarde avança, os campos secos ganham tons dourados. Falamos do mundo, das viagens, sei lá, de tudo. O nosso anfitrião ajuda nas traduções, que o Mustafá tem um inglês limitado e o seu irmão não o fala de todo.
Bem, está na hora de seguir. E agora? Agora vamos ver o terreno que o nosso amigo comprou. Fica a uns 2 ou 3 km da aldeia.Vamos buscar o carro do muhtar a casa dele. Ouve das boas da mulher, que ignora diplomaticamente, enquanto nos metemos num velho Renault, com uns 40 ou 50 anos, com pneus de tractor montados. Ah selvagem! Vamos nessa!
Pelos caminhos pedregosos de terra batida cruzados por muitos sulcos vamos avançando. Deixamos o carro para trás e progredimos agora a pé. E estamos lá. É-nos mostrada a terra dos sonhos, explicados os projectos e intenções: a construção de uma comunidade em auto-subsistência onde apenas serão bem-vindos os que compreendem o gosto pelos pequenos momentos de qualidade… como nós, acrescentam. Seremos muito bem-vindos quando quisermos passar ali algum tempo. Para já é apenas um terreno, com uma boa configuração. Mas na mente do nosso anfitrião e do Mustafá está tudo lá. Ainda estão a ver se compram mais uns terrenos em redor.
Que tarde tão bem passada. Os dois irmãos vão conversando, numa cumplicidade fraternal deliciosa. Discutem as tocas de lebre, falam de recordações de infância, vivem aquele momento com alegria. Não querem voltar. Já é quase de noite mas como quem não quer a coisa “arrastam-nos” para um regresso ao carro em círculo que nos leva a um passeio de uns 2 km. Descobrem amendoeiras, comemos algumas amêndoas. Mostram-nos árvores de pistachio, mas não há fruta.
O Mustafá tinha ido para casa mais cedo mas queria que por lá passássemos. Não quis dizer porquê. Era para nos servir um jantar, delicioso, mais pelo momento do que pelo sabor, tomado no exterior, com vista sobre a planície cipriota. Depois da comida ficamos a conversar, mais ainda. Eles, sonhando alto. Nós, ouvindo, ajudando com ideias. Até que a noite cerrada se tornou fria e tive que sugerir que se fazia tarde.
Estava quase feito o dia. Comprido, delicioso. Mas é bom não esquecer que a noite foi passada no aeroporto e o cansaço aperta. Já é noite cerrada quando chegamos a Nicosia. Somos levados a uma casa de gelados onde comi o gelado com a melhor relação preço qualidade… um copo cheio, enorme, a abarrotar, por um Euro e tal. Bem bom! Paramos num supermercado. Jantamos (pela segunda vez) em casa, juntos. E mais nada.
Estive no Chipre há um ano atrás, nomeadamente em Paphos e Nicosia. Uma ilha misteriosa. Como fui em janeiro n haviam turistas, visitei mesquites, achados arqueologicos, mosteiros e praias. Comida divinal. As temperaturas rondavam os 18graus e estava imenso sol. Se precisar de alguma info disponha.