Vagueava pelas ruas de Praga naquela tarde escura e chuvosa de Primavera. Era Maio, e revisitava os recantos daquele que tinha sido o meu território durante cerca de três anos. O emaranhado de ruelas numa das zonas antigas da capital checa, mesmo ao lado da movimentada avenida Narodni. Durante os meus dias de Praga soube como tratar pelo nome cada uma das pedras daquelas calçadas. Espreitei cada loja, experimentei cada bar, cada restaurante. Aprendi quais os cantos mais obscuros, procurados para um aliviar desesperado da bexiga nos regressos ébrios a casa, a altas horas da noite. E agora, ali estava, conversando com aquele passado.

E de repente, ao virar de mais uma esquina, um cenário inesperado: uma pequena multidão, uma batida musical. Mas o que se passa…? Aproximo-me e reparo num cão que por ali anda, no meio de tantas pernas. Rotos! O meu companheiro de apartamento naqueles últimos tempos de Praga! Ele, com o faro apurado de sempre, sente-me o cheiro e rapidamente me descobre, com a festa costumeira, de saltos, ganidos de alegria e vigoroso abanar de cauda. A Lucia está mesmo ali, já um bocado “high”, nas suas características elevadas rotações. Sento-me um bocado com ela, no chão. A festa é promovida por uma loja de discos que está ali mesmo, à nossa frente. E ainda bem que chego: há um amigo que me queria conhecer, porque sente saudades de Portugal e quer falar um pouco da minha língua. E chegam mais pessoas, que me são apresentadas em catadupa. Uma moça dança, de forma eléctrica, com sapatos adequados de sapateado, sobre uma folha de cartão, para ganhar a aderência que a calçada molhada não oferece. Conheço-a. Tinha estado na festa de anos da minha amiga Kathleen, duas semanas antes.

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Chega a polícia. Um par de homens bem avantajados aproxima-se e fala com um dos organizadores. Medem os decibeis no local, preenchem a papelada, tiram um par de fotografias para o relatório de ocorrência e vão-se embora. A chuva intensifica-se mas a multidão, em vez de dispersar, está cada vez mais grossa. Bebo um último golo de cerveja Branik pelo gargalo da garrafa de dois litros que a Lucia tem ali, para a sua comunidade de amigos. Declino mais uma oferta de uma passa num charro que roda pelo grupo. Preparo-me para partir. Quando me esgueiro por entre as pessoas, dou de caras com alguém conhecido, um indiano que cruzou a minha vida quando me mudei para Praga, há seis anos. Trocamos algumas palavras e afasto-me. Mais à frente ouço chamar…. é o Nicola, antigo companheiro da Lucia, que também vivia lá no apartamento de Letna. E Praga é isto… o inesperado, a dinâmica, o carácter de uma pequena aldeia numa cidade de milhão e meio de habitantes.

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