14 de Maio de 2024
Contra a previsão esta acabou por ser a noite mais bem dormida das três passadas nos parques de campismo de Etosha. Às 21:45 era o caos no terreno. Havia gente por todo o lado a falar e a andar de um lado para o outro. Às 22:00, como por milagre, estava tudo recolhido e só se ouviam vozes em tons baixos e em parte incerta, no escuro das tendas. Pela meia-noite, quando fui à casa de banho, o silêncio era tão profundo que parecia improvável que existisse outro humano nas imediações.
E por isso quando acordei, como todos os dias, ao nascer do sol, estava bastante fresco. Rapidamente a tenda foi dobrada e as coisas arrumadas no carro. Era tempo de deixar o Parque Natural de Etosha para trás, guardar as preciosas memórias no baú e olhar para a frente, para as próximas experiências na Namíbia.
E nisto olho para o carro e… que vejo eu… o pneu traseiro direito está quase vazio. Sim senhora, aqui está um problema. Bom, é parar na estação de serviço do parque, acertar a pressão do ar e seguir para o próximo local de reparação de pneus, a uns 15 km dali. Não deveria haver problema, a perda de ar era lenta, afinal depois de uma noite inteira o pneu não estava completamente vazio.
E de facto chegámos à estação de serviço sem problema. Paguei 150 Dólares Namibianos ao tipo para arranjar o pneu e segui viagem. Estava um bom dia.
O troço de hoje seria o terceiro mais longo das duas semanas na Namibia. Quase 500 km até Spitzekoppe, quase sempre por asfalto.
Uma longa viagem sem história. Bom asfalto, longas rectas permitindo ultrapassagens rápidas aos poucos veículos mais lentos que encontrei. Passagem por um par de pequenas cidades. Dois abastecimentos de combustível, uma pausa para comprar uma sandes deliciosa (voltei atrás para levar mais duas) e uma Coca-Cola.
Karibib é a última pequena cidade antes de Spitzkoppe, o destino para este dia. Depois há Usakos e a saída para uma infinita estrada de terra batida com cerca de 200 km que só acabará na costa, em Hentiesbay.
O estado do piso varia imenso. O limite legal de velocidade é de 100 km/h, mas há troços em que a 40 km/h o carro já foge por todos os lados. Depois fica aceitável e a seguir parece uma auto-estrada. E vai alternando. Exige muita atenção porque se pode ter que mudar do modo auto-estrada para o modo todo o terreno de um momento para o outro e se algo falhar pode-se perder controle do carro.
A paisagem é impressionante. Desértica, com montanhas a perfilarem-se no horizonte. O piso muda de cor e de textura e a vegetação, escassa, que se encontra em redor da estrada, muda também. Animais, nada. É o deserto, um deserto diferente, sem dunas de areia, mas são centenas de quilómetros onde nada cresce e a vida animal é mínima.
Em determinado ponto tenho que sair dessa longa estrada e apanho um desvio para Spitzkoppe. Existe lá uma pequena aldeia, muito pobre. E formações rochosas impressionantes que apaixonam qualquer interessado em geologia. Afinal é isso que traz até ali os visitantes. Passaremos ali apenas uma noite, mas foi uma experiência notável.
Esses últimos quilómetros, que não eram tão poucos como isso – na Namíbia as distâncias entre pontos vêm às centenas ou na melhor das hipóteses à dezenas de quilómetros – foram duros, com piso em mau estado.
Mas por fim avistámos a aldeia, lá ao fundo, e antes de lá chegar o desvio para o Spitzkoppe Tented Camp, onde iríamos pernoitar.
Fomos bem recebido por pessoal amável a tratadas as formalidades e pagos os 50% em falta um guia mostrou-nos o local onde colocar a tenda. Mas… oh não, o pneu está de novo em baixo. Logo o guia diz que na aldeia há quem arranje e que poderemos ir já.
Não é difícil encontrar o ponto onde nos disse para ir, o supermercado verde. De lá um miúdo sai a correr em direcção às casas e passado um bocado aparece um triciclo motorizado com três homens. O meu comité de salvação.
Feitas as contas fica combinado que me trocarão já o pneu e o danificado ficará com eles para reparação até que eu volte para baixo depois de visitar o parque de Spitzkoppe.
Vamos lá a isso. Deixo para trás aquela aldeia pobre com um supermercado sem qualquer refrigerados e de prateleiras vazias.
Ao chegar ao parque a berma da estrada está cheia de pessoas com barraquinhas de venda de recordações que mais não são do que pedras interessantes por elas recolhidas nos campos, todas chamando com a mão, no desespero de uma necessitada venda.
Na recepção pago os 130 Dólares Namibianos, recebo um mapa, compro uma bebida gelada.
Ainda está demasiado calor para estar confortável. Uns 34 graus. Conduzo devagar mas com gosto. A envolvência é espectacular. Sei que não visitarei alguns dos pontos mais interessantes, apenas acessíveis a quem contratar um guia local. Mas farei o melhor com o tempo que passarei no parque.
Vou até ao arco natural, a principal atração ao local de todos. De facto vale a pena. Anda por ali um grupo grande de gente de nacionalidades diferentes, vêm juntos numa tour e vão acampar ali perto. Porque é possível fazê-lo no interior do parque, em pontos assinalados. Na realidade esta teria sido a minha primeira escolha, mas não consegui uma comunicação fluida pela internet com o parque e acabei por reservador no parque de campismo exterior.
Aos poucos os outros vão voltando ao seu acampamento. A tarde está a chegar ao fim, a temperatura desceu e levantou-se uma refrescante brisa. Conversamos com um guia privado de um casal de chineses norte-americanos que ali está. É proveniente do norte da Namibia, apenas a uns quilómetros da fronteira com Angola. Tiro boas fotografias, as cores estão maravilhosas, o baixar do sol tinge de dourado as formações rochosas e o azul do céu sai realçado.
Vamos ainda a um pequeno lago natural que se forma entre as rochas, nesta altura do ano já muito reduzido, mas ainda bastante bonito. E depois, de carro, descobrimos as campas de dois soldados alemães, numa zona periférica do parque onde não vimos mais ninguém.
E agora está na hora de partir, passando pela aldeia para recolher o pneu. Tenho uma vaga sensação de que fui aldrabado. Tinham-me falado de 100 Dolares mas afinal eram 160 e a recomendação era que deixasse estar o sobressalente montado e usasse o reparado só em caso de necessidade. Não fiquei muito descansado. Espero não encontrar mais nenhum parafuso cravado nos meus pneus.
Fomos para o nosso lugar no camping. É um cantinho maravilhoso com uma WC privativa e uma plataforma de cimento com uma cobertura. Uma mesa e uma cadeira. Um pedacinho do céu no deserto. Tratamos de algum expediente, descansamos, deixamos a noite cair por completo e esperamos pelas 19 h, quando temos jantar marcado no simpático restaurante do parque.
Como um bom naco de carne, algo rija, mas soube-me bem. As batatas fritas por seu lado estão fabulosas e vale pelo momento, intimista, com um casal de checos na mesa ao lado e um viajante francês solitário mais ou menos da minha idade noutra.
Tudo é calmo e tranquilo Não há muito mais pessoas no parque. Silêncio, respeito. Uma grande experiência, esta vinda a Spitzkoppe e a noite passada no camping. Nem apetece ir dormir. A noite está amena. É uma novidade, depois dos arrefecimentos nocturnos de Etosha.