O combino já vinha de há alguns dias. A ideia era reunir um grupo de amigos e passar uma tarde de Sábado diferente, fora da grande cidade. Os destinos foram colocados a debate e a minha sugestão ganhou força, acabando por ser a escolhida: as ruínas do castelo de Okor, não muito longe de Praga, a noroeste do centro.

Mas o tempo acabou por nos pregar uma partida, apesar de anunciada. A previsão meteorológica já apontava para um dia de chuva e ventos fortes. Mesmo assim os aguerridos candidatos mantiveram a determinação… que contudo não resistiu à trovoada seguida de forte chuvada, da manhã.

O meio-dia era a hora marcada, e acordei quinze minutos depois. Mas não chovia. Corri para fora da cama, despachei-me com as necessárias lides, e sai apressadamente, pensando que seria ainda possível encontrar o grupo de corajosos resistentes a meio-caminho. Não foi necessário. Um problema com o planeamento tinha atrasado a expedição, composta por… duas pessoas. Consegui apanhá-los uns escassos minutos antes da partida do autocarro, mas não fui o único. Mais três convivas corriam em nossa direcção. Mas estavam ainda a uns bons 200 metros e já não restava ninguém para entrar. Conseguiu-se uma solução de emergência, com uma conversa de empate que manteve o motorista do autocarro quieto e crescentemente impaciente. E assim se juntou o inusitado grupo, como sempre são estes: um português, um americano, uma canadiana, dois checos e um cão.

A primeira etapa iniciava-se na aldeia Velké Prilepy, de onde partiríamos a pé em direcção a Okor, atravessando no caminho uma outra localidade, Noutonice. Que dizer… seguiu-se uma divertida caminhada, com tempo e oportunidade para aprofundar amizades e estabelecer novos conhecimentos. O vento, soprava raivosamente, com laivos de temporal . Mas a sua fúria mais não fazia que nos divertir. Era vê-los andar às arrecuas, correr com os braços abertos como quem tenta levantar voo. E esperar que ao vento não se juntasse a chuva. A estrada era nossa, e por mais de uma vez fomos surpreendidos por um carro que se aproximava pela calada, coberto pelo vento contrário. Nessas ocasiões restava uma retirada apressada do asfalto, entre sorrisos que enfrentavam as expressões furiosas dos condutores.

À entrada de Noutonice, visitámos o cemitério que ladeava a igreja local. Mágico local, com sepulturas cuja história só os deuses conhecerão. O cinzento que dominava o céu hoje era diferente. Não incomodava, não oprimia. Pelo contrário, fornecia a moldura adequada para o tema, e, desafiado, perdia habitual gravidade.

Mais uma centena de metros e entrámos na aldeia, e no primeiro pub do percurso. Excelente ideia, o refrescamento, num ambiente acolhedor, depois da caminhada exposta aos austeros elementos. Lá dentro, o cenário usual: três meses ocupadas pelos varões da comunidade, alguns já bastante “alegres”, e os restantes certamente trabalhando para o efeito. Sentam-se então estes estrangeiros numa longa mesa livre, e logo são atendidos. Uma cerveja. “Pivo”. Pardál, é a marca. Em checo significa “leopardo”, mas também um homem armado em tal. E é fresca, ligeira, suave. Sobretudo, é barata. A maior bagatela que encontrei até agora na República Checa: 15 Kzc, ou seja, cerca de 0,50Eur por meio litro. E por ali estamos e de repente já os locais estão sentados à nossa mesa, num daqueles momentos que me leva a reflectir sobre a fama – geralmente justificada – que os checos têm de antipáticos. Por alguma razão, permitem-se a estes momentos, que não imaginaria nas terras da lusitana simpatia. Um, tira fotos sem parar, com um telemóvel que é certamente o seu orgulho. Para mais tarde recordar aquela tarde de Sábado em que os estrangeiros pararam no “seu” pub. O outro quer saber de onde somos. E o Josef, um dos nossos companheiros checos, que é rapaz de fazer amigos por todo o lado com o seu sorriso fácil e trato agradável, não se faz rogado e vai explicando. Depois, vem o inevitável convite para os “shots”. Lá se toma um, já com os olhos postos no relógio, que se ia fazendo tempo de retomar o caminho. E saímos, no meio de efusivos cumprimento e abraços. Nota de rodapé: parece que naquele pub foi rodada uma cena de um filme pornográfico checo, o que obviamente enche de orgulho os seus frequentadores.

De Noutonice a Okor é já um saltinho. Chegamos à beira das ruínas em menos de nada. O acesso ao castelo está fechado. Não é surpresa, já tínhamos recolhido essa informação. De forma que andamos por ali, a espreitar e tirar fotografias. Aproveita-se o momento para desembrulhar farnéis e trocar géneros: maças por cenouras, bolachas por chocolate. Até que o Josef se lembra de descobrir um acesso ilícito para o interior do castelo. E então ali estamos, num final de tarde mágico, explorando em conjunto, tais 5 e o seu cão, aquelas ruínas majestosas. Espreita aqui, sobe as escadas acolá, brinca aos archeiros nas ameias. E quando nos damos por satisfeitos, fazemos o caminho inverso, saltamos o mesmo muro e descemos o tal carreiro. Falta uma hora para o autocarro de regresso a Praga. E o pub é mesmo ali ao lado. A fome aperta. Comida por estas bandas, só mesmo da pesada… mas… há sopa de alho! Praticamente quase todo o grupo se rende aos encantos da afamada especialidade checa, tão adequada para cortar o frio que se faz sentir por estas paragens. E quem toma uma sopa toma uma cerveja, e por ali ficamos a conversar e a beber até à hora.

Chegados à paragem, uma desagradável surpresa, recebida por todos com boa-disposição: o autocarro que pensávamos apanhar não existe. Agora, só dai por outra hora. Toca a voltar ao refúgio seguro, beber mais umas cervejas, tomar por nossa conta a sala do pub, mudar a música e sentirmo-nos como em casa durante quase uma hora. E agora sim, foi de vez. O autocarro está lá, e, cansados, deixamo-nos embalar até Dejvicka.

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