Há uns dias publiquei uma notícia sobre o mais longo voo comercial, que demora dezassete horas, sem escalas. Alguém comentou que com o acidente do Concorde se tinha perdido uma oportunidade de virar uma página importante na história da aviação comercial, de se dar um grande passo em frente. Mas… teria sido assim?

O Início

Tudo começou nos primeiros anos da década de 50 do século passado, quando Arnold Hall, director do Royal Aircraft Establishment (RAE) pediu a  Morien Morgan para formar uma comissão de estudo do conceito supersonic transport (SST).

O projecto acabou por avançar com base num consórcio formado pelas companhias britânicas BAC e francesa Aerospatiale e besta união baseou-se o nome Concorde, que simboliza o pacto firmado entre os dois países europeus, que mais tarde haveria de dar lugar à Airbus.

O primeiro voo deu-se a 2 de Março de 1969, mas por essa altura já se revelavam alguns dos problemas que haveriam de minar o sucesso do projecto ao longo da sua vida.

Problemas

Apesar do interesse manifestado por múltiplas companhias aéreas, o desenvolvimento do projecto revelou vulnerabilidades que debilitaram o Concorde desde esses primeiros momentos. Cerca de 16 companhias revelaram intenção de aquisição de um total de 74 aeronaves.

Não era de espantar que num anúncio publicado em Maio de 1967 na revista Aviation Week & Space Technology o tom fosse de franco optimismo. O consórcio previa a venda de 350 aviões até 1980 e gabava-se da Europa ter tomado a vanguarda aos EUA na aviação comercial supersónica.

Mas as coisas não seriam tão simples. O ruído do avião era um problema que estava a preocupar muita gente e tornou-se evidente que poucos países permitiriam ser sobrevoados de forma regular por um avião comercial em velocidade supersónica.

De pouco serviam as viagens de demonstração efectuadas por esse mundo fora. Nos EUA a oposição era das mais cerradas e a ligação entre a Europa e Nova Iorque era vital para o Concorde. Se mais nada fosse possível, pelo menos essa rota teria que ser operada.

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Quando finalmente o Concorde aterrou em Nova Iorque para testes de ruído os resultados foram positivos. Na conferência de imprensa organizada para a ocasião o tom dos jornalistas iniciou-se claramente agressivo, mas depois de verem de perto a aeronave a hostilidade deu lugar à admiração. Pelo menos a grande rota transatlântica haveria de ficar assegurada.

Mas apenas esse mínimo foi obtido. Com pressões internas e com estudos de viabilidade financeira pouco optimistas, as dezasseis companhias aéreas foram desistindo da aquisição. Para agravar as coisas, o consumo de combustível do Concorde era altíssimo, e o mundo estava a entrar numa profunda crise petrolífera.

Por fim, sem vendedores e com as primeiras unidades a saírem da linha de fabricação, o consórcio acabou por as entregar à British Airways a um preço simbólico ou, como um dos responsáveis afirmou, “foram oferecidas”.

Em Operação

Não vou descrever neste artigo todas as rotas operadas pela British Airways e pela Air France com este tipo de avião. Mas foram anos felizes. As tripulações adoravam o Concorde e os passageiros maravilhavam-se com aquelas viagens supersónicas. Na realidade, o avião não se limitava a viajar mais rápido que o som, fazia-o duplamente. A ligação entre Londres e Nova Iorque foi encurtada para umas meras três horas e meia.

Mas os problemas iniciais continuavam a assombrar o projecto. Uma rota estabelecida para Singapura teve que ser abandonada. Primeiro a Malásia apresentou uma queixa por causa do ruído, o que causou uma alteração na linha de voo. Mas nem isso foi suficiente, porque a India proibiu a passagem do Concorde pelos seus céus e com isso ficou encerrada a opção Singapura.

Entre 1976 e 2000 as operações foram decorrendo. Os prejuízos iniciais que a British Airways sofreu, e que ameaçavam o futuro dos Concorde na frota da companhia, foram superados com o aumento das tarifas. Na realidade, um estudo revelou que os clientes eram maioritariamente pessoas que tinham alguém a tratar dos detalhes das viagens por eles, e quando souberam do que estavam a pagar acharam incrivelmente pouco.

Aos poucos o acesso aos voos no Concorde tornaram-se um exclusivo para as elites endinheiradas. As hospedeiras de bordo colecionavam autógrafos. Toda uma geração de grandes figuras mundiais voaram no Concorde nestes anos.

Os voos charter também se revelaram um bom negócio e tudo parecia ir bem quando….

O Acidente

Dia 25 de Julho de 2000. Voo Air France 4590. Uma empresa holandesa tinha fretado um Concorde para abrir com chave de ouro uma viagem organizada aos EUA. Pouco tempo depois de descolar do aeroporto Charles de Gaulle, o Concorde, que levava já um motor em chamas, despenha-se, colidindo com um hotel na queda. Todos os 100 passageiros e os 9 tripulantes perderam a vida.

concorde-03As causas do acidente nunca foram totalmente apuradas, apesar da conclusão do inquérito oficial apontarem para um pedaço de ferro tubular deixado cair na pista poucos minutos antes por um DC-10 da Continental Airlines. Este objecto terá perfurado um dos pneus do Concorde, cujos fragmentos terão perfurado a asa e a tubagem de combustível, que, ao ser expelido inflamou-se causando o longo rasto de fogo que as testemunhas do acidente observaram e, finalmente, causando uma perda de potência que terá culminado com a queda.

Mas a questão é mais complicada do que possa parecer. Um pneu daquele tipo não deveria fragmentar-se. E anteriormente ter-se-á dado um incidente em tudo semelhante com um outro Concorde, com a única diferença que o combustível não se terá inflamado. Nessa ocasião um estudo recomendou o revestimento da zona da asa sobre o rodado com uma camada de kevlar para evitar perfurações semelhantes no futuro. Mas os aviões nunca foram submetidos a esta melhoria.

Ao descolar, já descompensado, o Concorde acidentado terá passado a uns meros nove metros de um avião que aguardava a sua passagem. O presidente da França, Jacques Chirac, encontrava-se a bordo desta outra aeronave.

Apesar de muitas testemunhas visuais, existe apenas um registo de video do Concorde prestes a despenhar-se, captado a partir de um camião que circulava numa via rápida nas proximidades do aeroporto:

Apesar de ser considerada de forma quase unânime a aeronave mais segura do mundo, o Concorde não sobreviveu ao único acidente fatal em vinte e quatro anos de operação. Após o incidente os voos foram suspensos e quando finalmente se apresetavam para recomeçar as operações, deu-se o ataque às Twin Towers, a 11 de Setembro de 2001. Na realidade, no momento do ataque, estava no ar o Concorde que efectuava o último voo de testes antes do reinicio das operações comerciais.

O que sucedeu nesse mês de Setembro mudou em muito a aviação comercial e o projecto Concorde não sobreviveu aos novos tempos.

O “Concorde” Vermelho

É um facto pouco conhecido pelo público em geral que a União Soviética desenvolveu um projecto similar ao do Concorde. Na realidade o Tupolev Tu-144 efectuou o seu primeiro voo ainda antes do Concorde, a 31 de Dezembro de 1968, mas a sua produção cessou logo em 1983. Poderá ler o excelente artigo (em inglês) sobre o Tu-144 na Wikipedia.

 

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