Quilómetros nas solas: 14 Km
Rombo no orçamento:
2,80 Metro
2,50 Mercado
Locais Turisticos: Bellevile; Ille de France; Bairro Latino.
O serão tinha sido algo longo, o sono já andava em atraso e em consequência não apeteceu nada levantar da cama; mas tinha de ser. O nosso anfitrião, gentil, tinha-se oferecido para nos levar por uma visita guiada do seu bem-amado Belleville e isso é sempre algo que não se pode recusar… por uma questão de respeito e porque um tour assim promete sempre ser interessante. Mas a verdade é que nesta manhã a rua não chamava por nós. Cansaço, sensação de que está na altura de fazer aquela pausa, de ficar por casa, simplesmente, a carregar baterias.
Olhei lá para fora. O céu estava cinzento, claro. Tomámos o pequeno-almoço juntos e quando volto a olhar vejo que chove. Uma desculpa perfeita para adiar a saída. Chove! Olha pois é… esperamos que passe. Isso, boa ideia! Esperamos…. (pode ser que não passe, que chova o dia todo, e assim ficamos no quentinho, a ler).
Mas passou, e não foi mau. Fomos ao passeio. Logo à saída os jovens chineses practicam o seu Kung-fu diário, um espectáculo a que nos habituámos nos dias que aqui passámos. Alain conhece o bairro, vamos conversando, ele oferece o enquadramento necessário, explica um pouco da história de Belleville, fala sobre a estratificação social da zona. Mostra-nos uma rua coberta de graffities, de arte urbana, que se renova permanentemente, com uma organização desorganizada, gerida pela comunidade que periodicamente pinta as paredes de branco, não para combater as pinturas mas para dar lugar a uma nova geração de arte, como que limpasse o quadro negro de ardósia para que a seguir se (re)escreva.
Mais à frente, as chapas metálicas que cobrem as montras fechadas de uma livraria mostram mais graffiti, este criado ou promovido pela própria loja: são os retratos de duas mulheres cujos restos mortais acabam de ser movidos para o Panteão Nacional, na sequência de uma polémica sobre a ausência de elementos do sexo feminino neste local de honra máxima, de tal forma considerado que deu origem a uma expressão que diz algo como “deves pensar que és panteonizável”, que é como quem diz, “tens a mania que és mesmo bom”.
Chegamos ao parque de Belleville. Para alcançarmos este pont0 temos vindo a subir, subtilmente, e agora temos uma série de escadarias ingremes pela frente, de forma que quando chegamos ao topo as vistas são magníficas; não tão boas hoje que está meio de chuva, mas dá para perceber. O parque foi renovado há relativamente pouco tempo. No ponto mais alto, um miradouro, com sofás e murais e, lá está, aquela vista.
Regressamos por outro lado, saímos por detrás, sem atravessar de novo o parque. E vamos logo ter à rua de Belleville, essa panela de mistura de culturas. É um mimo cruzar esta artéria, metendo o nariz em lojas que nos remetem para paragens longíquas; o barbeiro do Bangladesh, a mercearia egípcia, a pastelaria turca, o talho kosher. Ouvem-se línguas diferentes, das portas abertas dos restaurantes escapam-se odores exóticos. Nas lojas de bolos e pão as vitrinas dizem tudo: na prateleira de baixo é exposta a pastelaria tipicamente francesa; na de cima, as delícias orientais. A loja de vinhos pertence a chineses, assim como aquela doçaria que nos propõe guloseimas nunca vistas. Para quem vive em Belleville a variedade alimentar está garantida. Aqui ninguém se pode queixar de monotonia à mesa.
Também aqui, na rua principal do bairro, há arte de rua, numa fachada completa… aliás, em duas, porque noutra, mesmo ali, foi criada uma peça de arte tridimensional. Não sei se logo antes ou imediatamente após aquele discreto prédio residencial onde nasceu Edith Piaf!
O passeio aproxima-se do fim mas Alain diz-nos que tem que fazer umas compras no mercado e convida-nos a acompanhá-lo. E para este derradeiro momento estava guardado o melhor bocado. O pequeno mercado de Belleville é soberbo, de novo marcado pela diversidade, agora acentuada pela concentração num espaço tão limitado. São bancadas cobertas que se estendem por uns 75 metros, ao ar livre. Os vendedores são bem-dispostos, trocam chalaças com clientes, mostram produtos, fazem recomendações, esclarecem questões.
Há duas ou três “lojas” especializadas nos famosos queijos franceses, de todos os tamanhos, formas e cores. Frutas e vegetais, muitos. Produtos do mar, peixe, mexilhão, ostras e outras iguarias. Numa longa bancada alinham-se pães e bolos e…. lá estão eles, pasteis de nata, vendidos a preços razoáveis, como se fosse em Portugal, e logo ao lado, “papo-secos”, tigeladas e broa de milho à maneira de Avintes. Aqui e acolá, só apetece comprar, levar para casa onde se chegará quase a correr, numa pressa induzida pelo desejo de experimentar aquele universo de novos sabores. Uma breve passagem por um pequeno mercado e fica marcado um dos momentos memoráveis da ida a Paris.
O Alain espera a visita de um velho amigo, que aparece com a família. Sentam-se à mesa de jantar a beber chá e a petiscar, enquanto nos refugiamos no tal repouso lá no quarto. O encontro dura uma hora e tal, e quando as visitas se despedem o nosso anfitrião anuncia a sua disponibilidade para nos acompanhar onde quisermos. O problema é que não queremos realmente nada. Não há muito que nos inspire em Paris e não temos ideias. Ele é todo acerca de museus, mas eu, museus, não desejo. Montmartre, então? Também não pode ser, porque vamos vive os três últimos dias de Paris nesse bairro e assim sendo não faz sentido. Acabamos por simplesmente sair para o Bairro Latino, que já tinhamos tocado ligeiramente noutro dia, mas, porque não….
O resto da tarde não tem muito para contar. Foi um bocadinho agradável apenas pela boa companhia. Começámos pela Câmara Municipal, que é um marco histórico da cidade, fomos à Ille-de-France, atravessámos o mecrado das flores – este sim, muito interessante, de tal forma que foi o último ponto que (re)vimos mesmo antes de apanhar o metro para partir de vez no último dia. Depois vagueámos em conjunto por ruas sem grande alma, lá no Bairro Latino. Gostei da cumplicidade da partilha, de descobrir coisas em conjunto, porque quando se vive numa grande cidade há sempre algo de novo. E foi como se estivessemos a viajar juntos. Quando algo despertava o interesse ou levantava dúvidas, Alain usava o seu smartphone para googlar e apresentava-nos a solução ou a explicação do que nos intrigava. Mais claro na memória fica o momento em que descobrimos uma pacata rua, também ela embebida do espírito das villas lisboetas: a luz estava excelente, já muito dourada, a chegar ao fim, e o local era genuinamente pictoresco. Tirei dúzias de fotos.
Regressamos a Belleville. O nosso amigo quer ainda comprar umas coisas no supermercado e enquanto lá vai, decidimos subir de novo a fascinante rue de Belleville, no topo da qual, de forma inesperada, se avista claramente a torre Eiffel, distante, na outra extremidade da cidade.
Alain prepara-nos um jantar delicioso, uma quirche feita por aquelas mãos abençoadas, regadas com um branco gostoso e depois coberta com um arroz doce da minha autoria. Foi o primeiro serão com companhia de locais e foi muito bom. Conversa interessante sobre aquelas coisas que vão surgindo naturalmente quando se está entre pessoas na mesma onda. Falamos de Paris, claro. De viagens. De arte e de teatro, e de comida, gastronomia e tradições. Mostram-se fotografias. Ouvimos a experiêncie de vida do nosso amigo sintetizada para caber nuns quantos minutos. Já era tarde quando nos recolhemos ao quarto.