Foi assim que cheguei à porta do Museo Historico de La Revolucion. Um lugar adequado para tal museu, considerando que Leon foi a primeira cidade a passar para as mãos das forças revolucionárias que no final dos anos 70 combatiam o regime do ditador Somoza. O que eu não sabia é que a visita seria guiada. Uma possibilidade que em condições normais prefiro declinar, mas que naquele dia, nem sei bem porquê, aceitei docilmente. Cheguei à bilheteira e ainda estava a acabar de passar a nota para as mãos de quem estava do outro lado do balcão e já ele gritava, alto e a plenos pulmões: “MARCELOOOOOOOO!”. E depois, virando-se para mim: “- O Marcelo será o seu guia para esta visita ao nosso museu”. Pronto.
Apertos de mão, e inicia-se a coisa. Gostei logo do ritmo, da dinâmica. Nem parece que o tipo debita a mesma informação vezes sem conta a quem quer que lhe caia nas sortes. Com um brilhozinho nos olhos – como diria Sérgio Godinho – começa a narrativa. Fala dos norte-americanos, das ingerências do colosso vizinho no seu país. E à medida que se aproxima dos períodos históricos que lhe dizem mais directamente respeito a energia intensifica-se. De cada vez que usa a palavra Somoza o seu olhar incendeia-se. Usa o seu ponteiro para indicar o ditador nas fotografias, em que bate com vigor. Comenta retratos, segue a fita de tempo, esclarece dúvidas.
Um dos pontos altos do seu tour é uma imagem de uma manifestação de rua. São os primeiros sinais de descontentamento aberto da população, a ousadia de sair e contestar o Governo. E na primeira linha vê-se um gaiato, baixinho, lingrinhas. Marcelo pega na fotografia e identifica o miúdo: “- Ese soy yo. Catorce años“. Não admira. A sua irreverência deve ter nascido com ele. Mais à frente, já para o fim da visita, pega noutra imagem e mais coisa menos coisa repete a frase. Nesta outra foto, tirada nos últimos meses da luta armada contra o Regime, Marcelo surge enquadrado num grupo de guerrilheiros, ainda muito jovem, mas já homem, de arma na mão, um combatente experiente.
Foi assim a visita ao Museo Historico de La Revolucion. A exposição foi interessante, mas mais do que tudo, este homem de cinquenta e tal anos valeu o pedaço que ali passei. Depois de visitarmos o museu ficamos um pouco à conversa. Pergunto-lhe porque está ali uma enorme bandeira portuguesa. Foram duas jovens aqui do burgo que lá a deixaram. Encontra-se exposta, lado a lado com símbolos de autonomia, como a bandeira catalã e a do país basco.
Marcelo é um achado. Como se dizia quando eu andava na escola, se não existisse tinha que ser inventado. Depois destes anos todos a sua convicção política mantém-se imaculada. É ainda um activista do Partido Sandinista. Para ele é Daniel Ortega até ao fim. Admira hoje como ontem o seu antigo líder, esse homem que depois de liderar a luta armada se manteve no cenário político nicaraguense… até hoje.
Esteve preso, foi detido várias vezes pela polícia política. Falo-lhe da antiga prisão que hoje é um curioso museu dedicado às lendas da Nicarágua e ele diz que sim, que fica para aquele lado. Passou lá duas semanas e quase quarenta anos depois ainda evita lá passar. Que lhe dá arrepios, que é um lugar mau.
Apresenta-me a alguns dos seus amigos, sentados em cadeiras no páteo do museu. São todos ex-combatentes, veteranos de uma guerra que para eles não terminou. São eles, como um grupo, que mantêm o museu.
adoro ler o que escreve sobre as suas viagens..obrigada pela partilha