Ontei deitei-me cansado. Hoje, acordei com gripe. Pesada punição para o viandante, ansioso de viver cada instante da aventura. Os olhos pesam e o corpo recusa o movimento. Após um par de horas a máquina humana põe-se finalmente em marcha. Será um dia obrigatoriamente mais curto.

Depois de um breve périplo por dois locais relativamente centrais, dirigo-me a Hadje. Ali, visito o Centro Madre Teresa de Calcutá. De seguida, está prevista uma caminhada por uns bosques que estão ali perto. Não imagino o prazer que me está reservado. A aventura até começa mal. Não encontro o acesso correcto. Esbarro na vedação de uma grande obra. Receio que se vá elevar ali um novo bloco de apartamentos ou qualquer coisa do género. Tento contornar pela esquerda, mas acabo por desistir. Decido-me a experimentar o lado oposto, já praguejando sobre o tempo e energia perdidos naquela aproximação, mas diviso um pequeno carreiro que se esgueira entre dois segmentos de vedação. Vou explorando esta alternativa, sem grande confiança. Mas a verdade é que vou avançando na direcção pretendida, e acabo por desembocar num largo caminho asfaltado. O que não é uma grande melhoria, porque a progressão na direcção correcta acabou.

Tentativa para um lado, tentativa para outro…. acabo por decidir arriscar a progressão por um vago trilho que acredito divisar a partir do caminho principal. E foi então que tudo começou. A floresta de altas choupos está coberta de folhas, e o carreiro só se divisa pela forma difusa que se antevê num certo espaçamento entre as árvores. Ando um par de centena de metros, deixando a imaginação navegar por mares surpreedentes. Penso nas séries de TV que me encantavam em tempos da meninice, e adivinho uma trupe de índios Huron a saltarem a qualquer momento sobre mim, vindos de parte incerta, como sempre sucedia nas velhas películas. Poderia ouvir o rosnar de um urso pardo mesmo ali. Não se vê vivalma. Sou eu e o mundo natural que me rodeia. Apesar do bosque se encontrar rodeado de estradas e blocos de apartamentos, só se escuta o cantar de alguns pássaros e o vento que passa sobre a copa das árvores.

Por fim encontro um caminho mais pronunciado, e uma ou outra pessoa que por ali passeia. Mas a paisagem mantém-se inalterada, dominada por aquele maravilhoso dourado acastanhado, omnipresente na floresta de Outono. Uma brisa provoca uma queda suave das folhas mais resistentes, que bailam no ar como flocos de neve. Sorrio, cheio de vontade. Estou a viver um dos melhores momentos da minha vida nesta cidade. E contudo, é a simplicidade de um bosque que me delicia. Em Portugal não temos esta Natureza. Lembro-me de um livro que me fascinava, andava eu pelos 11 anos: Ao Encontro da Natureza. Um belo volume das Selecções do Readers Digest que ao mesmo tempo me provocava uma enorme frustração, porque aquela Natureza bravia e intensa que observava nas imagens e apreendia nos textos não se encontrava ao meu alcance, naquele meu Portugal cheio de pessoas e paisagens doces.

A tarde vai longa e a gripe pressiona-me a deixar aquelas paragens. Anoto cuidadosamente coordenadas para uma próxima visita. É que para grande tristeza não trouxe uma máquina fotográfica. Terei que regressar. Quiçá quando a neve começar a cair.

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