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Que dia! Vamos lá ver… acordei, esperei pelo pequeno-almoço, despedi-me do Ali e pus-me a caminho. Percorri os 3 ou 4 km até ao ponto da cidade nova onde o meu amigo me indicou ser o ponto de partida dos dolmus para Diyabarkir, mas para baixo todos os santos ajudam e a marcha passou-se num instante, até porque a temperatura estava ideal. E, de facto, no sítio indicada, lá estava o mini-bus prometido. “So far so good”. Paguei as 10 TL, acomodei a mochila grande na bagageira, comprei uma lata de coca-cola fresquinha e sentei-me.

A viagem fez-se por uma paisagem quase desértica, numa estrada excelente, de duas vias para cada lado, quase uma auto-estrada. No sentido oposto, o exército parava alguns carros. O esperado posto de controle, que tão comentado era por viajantes nesta região e que até agora se tinha mantido afastado dos meus olhos. Duas ou três pequenas viaturas blindadas e um grande APC (Armoured Personal Carrier) plantado no meio da via apoiavam os militares envolvidos na operação. Neste percurso, de depois de Diyarbakir para Mardin, vi traços de uma guerra ida que não foram visivéis até então. Muitos aquartelamentos ao longo da estrada, mas o que marcava era o aspecto de prontidão, com muitas defesas improvisadas em seu redor, e pessoal pronto a guarnecê-los.

Quando chego a Diyarbakir tenho um choque. Há uma aura negra nesta cidade que sinto imediatamente, e lembro-me do velho dizer turco… “Em Diyarbakir negras são as suas muralhas e negros os corações das suas gentes”. Nos primeiros semáforos há crianças a pedir, vêm-me à ideia imagens da pobreza na India. Sou deixado num terminal de dolmus. Procuro por momentos uma indicação das partidas para Tatvan, não vejo, e vem ao meu encontro um homem que se propõe ajudar. Diz-me em inglês que ali não, terei que apanhar um mini-autocarro da cidade para ir para a estação de camionagem. Que tretas! Começo a maldizer o conselho do Adnan de vir por aqui em vez de o fazer por Batman.

Os autocarros passam com uma rapidez estonteante, toda a gente apita, a agitação é enorme. Ao terceiro acerto. Aquele vai para a “otogar”. Sento-me ao lado de um homem de aspecto suspeito. O condutor conduz como um diabo, pelo meio de um tráfego assassino. A cidade é triste, depressiva, pobre, miserável. As gentes têm um aspecto negativo… “negros são os seus corações”. As faces são cerradas, as atitudes são agressivas, impiedosas. Ninguém dá lugar a ninguém no autocarro, que se vai enchendo até se tornar uma lata de sardinhas. Mulheres com bébés e idosas têm que ficar de pé. A minha mochila grande vai ao pé do condutor e esforço-me por manter os meus olhos nela. Que bom que optei por não visitar esta cidade!

Por fim na “otogar”. Dificil de encontrar transporte para Tatvan. Finalmente um comissionista apanha-me e leva-me ao stand que vende esta ligação. 30 TL. Acho que é demais para os 200 e tal Km’s mas pronto, quero é sair dali.

Já instalado espero uma eternidade até o transporte se pôr em marcha. E quando o faz e vou buscar o meu Kobo… o estojo com o tablet e o e-reader desapareceu. O coração pára por um segundo. Aconteceu, finalmente, fui roubado em viagem. Penso de novo no dizer sobre “Diyabarkir”, revejo os eventos… só pode ter sido o tipo ao meu lado no autocarro… há coisas que começam a fazer sentido… recordo-me de ter ouvido o baque de algo a cair no chão. Quando olhei nã vi nada mas provavelmente ele empurrou logo o estojo com o pé para um comparsa no banco da frente.

Não há nada a fazer. Vou ter que absorver o dano, mas psicologicamente estou abalado. O dinheirinho custa tanto a ganhar e num segundo vai-se embora assim. Passo as quatro horas de viagem a pensar em tudo aquilo, em contas, na perda, na violência de ser roubado.

A viagem é terrível. Confortável, que as estradas são boas e a viatura está em boas condições, mas penosa. Nâo só pelo sucedido mas pela longa duração. Eles param num restaurante à beira estrada… mais vinte minutos… e depois a entrada em Bitlis, com um trânsito caótico. A noite põe-se.

Chego a Tatvan destroçado, com frio, inseguro. A partir dai as coisas só vão melhorar…

Encontro o afamado novo centro comercial e mando um SMS ao Ersin. Responde que estará ali dentro de minutos. Menos mal. Espero e ele chega, com dois amigos. O seu sorriso agradável faz imenso para me levantar a moral, e contar-lhes o que se passou também. Caminhamos para casa. São cerca de 800 metros. Já me vou sentindo melhor. Afinal, é só dinheiro. Nada de irreparável.

No apartamento está quentinho, e preparam-me logo um jantar delicioso. Ainda melhor. Peço para usar a Internet, para mudar a password das minhas contas que podem ser acedidas pelo tablet. Facebook, Couchsurfing, etc. É um problema, porque eles usam net móvel 3G com o telemóvel e para este mês o tráfego está esgotado. O Ersin multiplica-se em esforços para ajudar. Telefona para a Turk Telecom e solicita novo tráfego mas há um problema com o sistema. Depois de uma mão cheia de telefonemas, finalmente. Assim que entro no meu Facebook, vejo que há uma mensagem. O Ali diz-me que me esqueci do tablet lá na recepção!

Que excitação! Será verdade!? Como pode ser… tenho a certeza que na primeira ligação o usei para jogar um pouco de xadrez, mas depressa se tornou evidente que se trata de uma pequena confusão minha. O Ersin liga ao Ali e de facto confirma-se. Está lá. Fica combinado que o Ali enviará o material por UPS. Não fico nada convencido com a solução. Por mim ia logo no dia seguinte de volta. Mas eles insistem que a UPS é de confiança e que há tempo. Sinto-me obrigado a aceitar para não ser rude, mas continuo receoso. Só vou acreditar quando vir as minhas coisas nas mãos. Passa-me pela memória o episódio em que me esqueci do GPS num café em Malta a caminho do aeroporto. Na altura correu tudo bem, resta-me esperar que desta feita o resultado seja o mesmo.

O resto do serão passa-se à conversa. Muito mais animado. A companhia é excelente. Tive sorte, no final do dia, aparentemente, tive sorte com tudo.

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