Um dia que se inicia com alguma tensão. Vou buscar o carro que aluguei por dois dias. Acordo cedo. Tenho que chamar um Uber para ir ao aeroporto recolher a viatura. Tomo o pequeno-almoço com o meu anfitrião – que a esta hora já devia estar no trabalho – e saio para a rua.

O meu transporte chega em poucos minutos. Ao contrário da informação que encontrei online, a Uber está a funcionar bem por aqui. Uma longa viagem até ao Terminal 5 do aeroporto. É o dos voos domésticos, o mais conveniente para mim, porque dentro de dois dias, quando devolver o carro, estarei de partida para Najran, por via aérea.

Encontrar o balcão da Enterprise não foi complicado. Já levar o carro o foi. Funcionários muito arrogantes e desagradáveis, uma constante na Arábia Saudita. Já tinha acontecido à chegada para comprar o SIM Card para o telefone e para trocar dinheiro. Depois, e nisto o tipo tinha razão, a minha carta de condução portuguesa tem uma data de expiração que já foi ultrapassada. É válida, como sabemos, mas a data que mostra já passou. Eles não sabem, nem têm que saber. Mas depois de uma consulta ao colega lá passou.

Na estrada para Shakra

Ao contrário do que aconteceu no Omã, a primeira vez que me deram para a mão um carro de caixa automática, não tive problemas em me adaptar ao sistema. Num instante estava a caminho de Shakra, a cerca de 200 km a noroeste de Riyadh.

Uma viagem completamente tranquila, a rolar nas calmas. Não achei especialmente complicado conduzir no país. Nas grandes cidades o nível de dificuldade sobe um bocado, mas nada de extraordinário, exigindo apenas um pouco mais de atenção. Na estrada aberta, super simples, pacífico.

O objectivo desta expedição a Shakra era visitar as aldeias de adobe, uma ideia “roubada” ao meu amigo Filipe Morato Gomes.

A primeira paragem foi em Raghbah. Vi uma fortaleza a partir da estrada, pouco depois a indicação do desvio e lá fui. Deixei o carro num descampado, junto à muralha, caminhei um pouco, cheguei à parte frontal da estrutura. Lá estava a entrada. E, como já esperava… encerrado ao público. Normal, é a Arábia Saudita.

Limitei-me a rodear a fortaleza a pé, admirando a construção. Cumprimentei uns trabalhadores que descansavam à sombra e reencontrei o meu carro.

Um pouco mais à frente descobri outra área histórica da aldeia. Uma enorme torre de vigia, impressionante, como que a tocar os céus, com a bandeira verde da Arábia Saudita a ondular, lá, bem alto. Foi aí que deixei o carro, à sombra de uma casa abandonada, e partir a pé, a explorar.

Encontrei um bairro basicamente abandonado, mas com alguma presença humana aqui e acolá. As casas de adobe esventradas ladeavam as ruas. Entrei numa e noutra mas não restava muito para ver. Em algumas era possível subir ao terraço e ter uma perspectiva um pouco mais elevada.

O interior da mesquita da velha Raghbah

Dei com a antiga mesquita, em ruínas, mas ainda muito charmosa. O seu interior, com o tecto suportado por duas linhas de colunas, é fresco, um oásis em dia de braseiro. Subo ao minarete. Ao longe vejo um jovem regressar a casa, um dos poucos habitantes que resta na velha Raghbah.

Sinto que agora sim, a viagem está-se a iniciar. Está-se bem ali, apesar do calor intenso. A sós, como gosto. Solto, livre, senhor do meu tempo, de todas as decisões.

Vou regressando ao carro. Descubro um outro, retorcido, corroído pela ferrugem e cravejado de balas. O que se passou ali? Algo de real? O cenário de um filme? De facto o pano de fundo seria ideal para uma qualquer película de acção passada nas Arábias. Tiro muitas fotos, é uma cena fotogénica.

Cena de filme ou acção a sério?

Dou uma última miradela à impressionante torre de vigia e quando me afasto vejo chegar um carro. Um viajante, como eu, ocidental, de meia idade (ou será que já passei a meia-idade, acho que sim, enfim), sozinho, com um carro alugado. Deixo-o a sós com a torre, entro no meu tansporte, prossigo a viagem.

A próxima paragem será em Al Qasab, antes de chegar ao meu destino para esta noite. Aqui é bem mais fácil encontrar ao que venho. À distância já vejo a longa muralha que protegia a antiga Al Qasab, é só conduzir naquela direcção. E logo encontro o portão, que ultrapasso, estacionando seguidamente o carro.

O sossego é grande. Aqui ainda habitam diversas famílias, mas a esta hora não se vê vivalma. Vou andando por ali sem grande entusiasmo. O problema, para mim, é que o lugar está demasiado… renovado. E de forma excessiva. Tornou-se artificial, o que de resto é um problema comum na Arábia Saudita: o mau gosto na renovação. Assim, não me demorei muito por ali, até porque queria chegar a boas horas ao meu alojamento em Shakra.

Mais uns quilómetros e chego à cidade. Aliás, não chego, porque a parte antiga, onde vou ficar se encontra antes, virando-se à direita. Dou com a casa de hóspedes num instante e tenho um surreal check in com uma simpática criatura de uns dez anos, que fala inglês que é uma maravilha: “How can I help you?”, “So, you are Ricardo Ribeiro”, “Passport, please”, “These are your keys”. E assim por diante. Ao longo da estadia conhecerei o pai, mas a maioria das interacções práctica terei com a menina, a bonita menina, que parece dirigir o negócio.

O meu quarto em Shakra

Fiquei um pouco decepcionado com o local, mas pronto… não estava a pagar muito, mas tinha uma média de reviews no Booking.com de 9,7 e eram muitas. O quarto era interior, com uma luz triste, havia uma fonte interior cujo som me enervava, e depois, o pequeno almoço, também não foi entusiasmante. Do lado positivo, a grande simpatia, o preço, a localização. Já agora, falo deste alojamento aqui.

Saí para explorar um pouco. A cidade antiga está num profundo processo de recuperação, encontrando-se a mesma falta de gosto na escolha de materiais que em Al Qasab. Um pouco melhor, talvez. Mas ainda há muito que se encontra no seu estado bruto, uma infinidade de recantos e detalhes por descobrir.

É a hora do lusco fusco, uma maravilha para fotografar. Mas estou cansado. Tinha estado engripado, quiçá com COVID, e três semanas depois há dias em que me canso muito. Retiro-me para o alojamento, descanso. Infelizmente não há nenhum sítio para comer na parte antiga de Shakra, limito-me aos mantimentos que trouxe comigo no carro.

Mais tarde a doce criatura convida-me para beber um chá e mostra-me a varanda. Já a tinha visto da rua mas pensei que era parte da residência da família. Está-se bem ali. Um momento de relaxe antes da deita.

 

 

 

 

 

 

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