Este foi um dia algo vazio, mas nem por isso desagradável. Uma pausa, um abrandamento bem vindo.

Depois da noite bem dormida, mais um pouco de ronha pela casa. O polaco foi à mercearia. Depois, saímos. Combinámos partilhar o Uber e explorar alguns pontos de interesse comum em conjunto.

À saída de Najran encontra-se o palácio Aan. O condutor que nos apareceu não conhecia, não fazia ideia do que era, mas lá nos orientámos. Por alguma estranha razão foi preciso explicar para onde queríamos ir, como se aqui a Uber não indicasse ao condutor a “encomenda” do cliente.

Palácio de Aan

Foi-nos avisando de que estava fechado, falou em nos trazer de volta, mas decidimos mesmo assim explorar um pouco. De facto encontrava-se encerrado. Aberto, apenas de Quinta-feira a Domingo. E estávamos numa Quarta-feira.

Tomámos a perspectiva do palácio de lama desde baixo, andámos pelas ruas envolventes, observámos o palpitar da vida local, muito sereno. Aqui e acolá ouviam-se vozes, mas não vimos ninguém. É um padrão nestas paragens do mundo, onde o calor impera numa boa parte do dia. Mesmo que para dois europeus esteja OK para caminhar as pessoais locais mantêm-se dentro das suas casas.

Chegamos a umas reuínas de casas tradicionais que tínhamos visto da estrada à chegada ao bairro. Depois caminhamos na direcção oposta, com os olhos postos naquilo que no mapa aparecia marcado como outro palácio.

Não encontrávamos uma lógica, uma coincidência, entre aquilo que víamos e o ponto assinalado. Mas por fim fez-se luz, era mesmo à nossa frente, uma discreta estradinha e logo de seguida demos com o edíficio.

Mais do que um palácio, uma torre defensiva, e estava encerrado. Um agricultor observa-nos e mais tarde, ao passar por nós, cumprimenta-nos.

Mais o do que um palácio, uma torre defensiva.

Está visto, e agora pensar em regressar. Vamos caminhando pela berma da estrada. O calor intensifica-se. Um carro pára e uma voz diz: “Can I help you guys?”. É o Ali. Depois de um momento de uma certa desconfiança (será alguém que nos quer dar uma boleia a troco de alguns Rials?), ficou claro que a situação era limpa. O Ali viveu uns tempos nos EUA (apesar disso o seu inglês não era brilhante) e só queria mesmo ajudar uns estrangeiros de ar perdido. Passou o resto da tarde a passear-nos, como um guia turístico gratuito, movido pelo sentido de hospitalidade e quiçá pelo refrescante quebrar das rotinas de uma pequena cidade provincial.

Põe-se à nossa disposição, pergunta-nos o que queremos ver. Mas é difícil comunicar fluentemente e os resultados são um misto entre o desejado e o improvisado.

O Ali

A primeira paragem é em AlUkhdud, um local arqueológico onde subsistem as ruínas de uma cidade que foi em tempos o centro de um império. O Ali foi aqui uma verdadeira mais valia porque o guarda não nos queria deixar entrar, acedendo por fim, depois de uma troca de palavras em árabe com este novo amigo.

Não sou muito dado a este tipo de locais. Entediam-me. Mas não havia nada de melhor para fazer e juntos explorámos o recinto. Os misteriosos caracteres gravados nas pedras das paredes do que outrora foram casas são de facto interessantes. Tirámos fotografias, navegámos por aquele mar de pedra tentando encontrar um sentido naquelas semi-paredes. Cada um com uma tese diferente do que aconteceria aqui e acolá em diversos pontos do complexo. 

Misteriosos caracteres

Depois, espontaneamente, o Ali conduziu o carro até ao topo de uma colina, repleta de antenas de telecomunicações. Não exactamente até ao cume, que esse encontrava-se barrado. Mas de qualquer modo as vistas eram magníficas. Dali compreendia-se bem a disposição da cidade. Como todas na Arábia Saudita espalhava-se por muitos quilómetros. O espaço é um bem abundante neste país com uma muito baixa densidade demográfica.

Nós queremos mesmo é ver casas tradicionais. Recuperadas, mantidas, abandonadas ou em ruínas. Nisso eu e o polaco estamos de acordo. Mas o Ali ou não nos entende ou descarta o nosso interesse como sendo uma patetice. E não nos mostra nada disso.

Ao invés leva-nos para fora da cidade, para um parque na periferia de onde se vê uma paisagem extra-terrestre, feita de areia e rocha. Perde-se no horizonte. É a Arábia Saudita.

O sol vai descendo. Entretanto o Ibrahim despertou do seu silêncio laboral. Espera-nos numa oficina de café. Somos convidados para provar a bebida, visitar a fábrica, conhecer o processo de produção. E descobrimos que o Ali conhece o Ibrahim e vice-versa.

Lá este ele no seu Toyota. Passamos de umas mãos amigas para outras.

Somos servidos de café e depois segue-se uma seca à Ibrahim, durante a qual nos deixa à espera a olhar para o nada enquanto trata dos seus assuntos e negócios. Depois, somos levados para uma sala onde uma máquina torra os grãos de café. O custo do equipamento, importado da Alemanha, é astronómico. Assistimos ao processo, colocando questões prontamente respondidas pelo operador. Interessante.

Torrando café

Terminada a demonstração o Ibrahim leva-nos a casa. Mas antes de lá chagarmos um telefonema escolhe um destino diferente para este serão. Os seus primos estão numa reunião na quinta do seu irmão mais novo. Pergunta-nos se queremos. Ir, por mim preferiria o plano A, chegar a casa e descansar, mas o polaco responde pelos dois, que sim, que é boa ideia. Enfim.

Foi uma situação interessante mas aborrecida ao mesmo tempo. Os primos falam árabe entre si, claro, e somos deixados de parte. Não de forma ostensiva. É-nos servido chá e são feitas pontuais traduções e dadas explicações. Mas basicamente sinto-me um outsider, claro.

Uma boa parte daquele pessoal é polícia. De todos os tipos e hierarquias. A tempos é divertido seguir a interacção dos indíviduos, observar. O fogo aquece-me. As noites são relativamente frias. Chega o jantar, partilhado connosco. Frango e arroz. Está saboroso.

Para acabar, um momento interessante. Alguns deles cantam à desgarrada, criando versos amigavelmente insultuosos, uma batalha de palavras como se faz por cá com o fado. Mas os tempos são estes, e a ajuda do telemóvel com internet é constante na formação das novas rimas. Há tempo para pensar, para compor, um tempo muito mais alargado do que na nossa cultura.

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