O dia começa com um stress: o tempo que passa e o Uber que não vem. O avião, lá longe, no aeroporto, não esperará. E decididamente não quero fica preso em Najran. Não que me tenha desagradado. Pelo contrário, arrependi-me de não passar mais um dia por aqui, mas se tenho um voo para Jeddah, é para lá que quero ir.
O condutor do Uber entra na rua, vira à esquerda e desaparece-me da vista. Pouco depois, cancela a viagem. Nãoooooo! Ainda tenho tempo para mais uma tentativa, não mais. Entretanto o sistema vai-se debatendo com dificuldades para me atribuir um carro. Finalmente tenho outro condutor a caminho. Envio-lhe uma mensagem a pedir para não cancelar a viagem caso contrário ficarei em terra. Responde-me que posso estar descansado. Mas pouco tempo depois a cena repete-se. Só que desta vez manda-me mensagem a dizer que não estou no local. Agora entendo. O GPS está a mandá-los para a rua que passa por detrás da casa. Fica tudo resolvido, posso ver na app onde está o carro e corro até lá.
Já estou atrasado e o jovem – que o é, e muito – faz tudo para me ajudar, acelarando até ao aeroporto. Acaba tudo em bem, chego ainda com uma almofada de tempo confortável, quando ainda muitos passageiros estão a entrar no terminal.
Aterro em Jeddah com muito calor. Rapidamente tenho um Uber a levar-me para o alojamento que reservei. Um luxo para mim, uma suite que é mais um apartamento, mas sem cozinha. Varanda, AC e até pequeno-almoço servido no quarto. No dia seguinte irei para Couchsurfing mas hoje vou aproveitar este conforto todo.
Deixo-me estar a refrescar. Está mesmo muito quente aqui, talvez o local mais quente onde estive na Arábia Saudita. Não estou muito impressionado com a cidade. Saio um pouco, vou até à beira-mar, ali bem perto. Não é agradável. Volto para casa.
Já mais para o final da tarde volto à rua, para apanhar um Uber para o centro histórico, local classificado como Património Mundial da Humanidade pela UNESCO.
Sou deixado onde pedi, junto a uma das portas de entrada que fazia parte da antiga muralha. Entro e vejo os característicos edíficios. Não o sabia mas há profundos trabalhos de remodelação. Equipas de operários franceses deslocam-se, transportam materiais, trocam instruções. É algo em grande e de facto, observando os prédios que ainda não foram tocados dá para perceber que é premente renovar. As estruturas cairiam de maduras em breve, não fosse a intervenção.
Há algo de diferente ali. Nunca estive em Zanzibar mas imagino que tenha algumas semelhanças. Caminho pelas ruas. Já não falta muito para o pôr-de-sol mas a temperatura está ainda demasiado elevada.
Num campo urbano um grupo de jovens joga futebol com entusiasmo. A cidade está degradada. Parece-me uma cena de Beirute após a guerra civil.
Uma jovem convida-me para ir à casa de banho. Isso mesmo. Mas calma. É para isso que ela é paga. Para indicar aos turistas que podem ir ali aliviar-se, gratuitamente e em higiente total. Não estou necessitado mas conversamos brevemente. Ela é do Bangladesh e os olhos acendem-se-lhe quando lhe digo que visitarei o seu país muito em breve. Irradiava uma solidão imensa, de quem está num país estranho e hostil. Apesar do sorriso sentia-se a tristeza. Deu-me pena.
Vou tentando descobrir os cantos à cidade. Dou com uma rua mais movimentada e sigo o movimento humano. Acabo por sair da zona que está em renovação, mais residencial, e entro na área comercial, com muitas lojas. Bebo um sumo de cana e avalio o interesse de pagar a entrada numa casa-museu. Há diversas espalhadas pela cidade antiga, geralmente a dificuldade é escolher quais visitar, mas acabei por nunca ver nenhuma por dentro. Não calhou.
Ando por ali, sentindo o vibrar da cidade. Com o avançar das horas a vida vai preenchendo as ruas. Toda a Arábia Saudita é assim. A vida tem lugar de manhã cedo, e depois, do finalzinho da tarde até ao final do serão. O comércio tem horários loucos, sendo comum ter as lojas abertas às dez, onze e mesmo meia-noite.
Começo a retornar ao ponto onde cheguei, calmamente. O céu torna-se alaranjado. É o final do dia. Já estou cansado mas ainda ando um pouco num jardim que há ali próximo. Já me chega por aqui. Agora quero ir ver o famoso “corniche” de Jeddah, uma longa orla costeira com passeios, cafés, monumentos, restaurantes, áreas mais animadas e outras nem tanto.
Os meus amigos de Riyadh tinham-me falado do jacto de água e assim apontei no mapa uma localização adequada para o ver e chamei o Uber.
Entretanto já é de noite e as ruas estão ao rubro. Onde sou deixado o trânsito está em pára arranca. Atravesso a avenida e estou junto ao mar e a uma multidão que usufrui do espaço.
São famílias, amigos, moças. Três mulheres envoltas em roupa negra olham para o mar. Miúdos jogam à bola. A animação é imensa. Toda a gente traz algo. Uma cadeira, mesas. Há toalhas abertas na relva. Passeios são dados por ali, imigrantes sós gozam das horas de folga.
A mim não me resta muito mais do que observar. Está lá o tal jacto de água. Ando um pouco para a frente e depois regresso. Bebo uma Pepsi geladinha e sento-me, também eu, na relva. Tiro as botas, relaxo.
Agora está na hora da última oração e junta-se uma pequena multidão de crentes. Homens, mais, à frente, e um menor grupo de mulheres atrás. Uma nota: há mais homens a rezar, sempre, porque a sua religião diz que as mulheres estão dispensadas de o fazer. E estes se encontram à frente para que não usufruam da vista dos traseiros femininos alçados na veneração a deus.
Está na hora de regressar a casa. Na realidade não estou assim tão longe e vou andando. Aproveito para parar numa casa de kebab e janto com muito gosto. Adoro a atmosfera local, apenas com duas mesas. Delicio-me com dois kebabas e duas Pepsi por apenas 6 Euros. Como é diferente a cidade a esta hora. Tanta loja e restaurante, tantas opções. É só escolher.
Depois chego ao luxo do meu apartamento sem cozinha e durmo tranquilamente.